Em novembro de 2018, a Autoridade Garantidora da Concorrência e do Mercado da Itália (AGCM, na sigla em italiano) impôs multas de cinco e dez milhões de euros, respectivamente, à Samsung e à Apple. O motivo: as gigantes estariam forçando os clientes a realizarem atualizações de software que deixam os celulares mais lentos – a AGCM chama a ação de “prática comercial desleal”.
Em entrevista ao jornal espanhol El País, Benito Muros, presidente da Fundação Energia e Inovação Sustentável Sem Obsolescência Programada (Feniss) afirma que a prática é comum. “No momento, absolutamente todos os fabricantes de telefones celulares adotam essa prática. Quando o celular fica mais lento, o usuário já começa a pensar que é normal”, disse. “Se a obsolescência programada não existisse, um telefone celular teria uma vida útil de 12 anos a 15 anos”, completou. Hoje, a vida útil média de um smartphone é de dois anos.
A obsolescência programada não está apenas na indústria dos aparelhos celulares. O boom da indústria e do consumo a partir da década de 1950 iniciou uma estratégia global de produção em ritmo acelerado na qual novas tecnologias rapidamente suplantam as anteriores.
O documentário espanhol Comprar, Tirar, Comprar, de 2010 (The Light Bulb Conspiracy – A Conspiração da Lâmpada Elétrica, em uma tradução livre) denunciou um destes casos. O filme dirigido por Cosima Dannoritzer demonstrou que uma empresa que produz impressoras programou o equipamento para bloquear as impressões a partir de determinado tempo de vida útil da máquina. A mensagem que aparece ao consumidor é de que a impressora está definitivamente quebrada, mas Dannoritzer mostra que basta reprogramá-la que seu funcionamento volta ao normal.

O problema é que esta lógica econômica de vender mais a qualquer custo resulta em mais resíduos e mais acentuada exploração de insumos naturais. Além de não, necessariamente, garantir bons resultados econômicos no médio e longo prazos.
O desgaste da relação do ser humano com o meio-ambiente cresceu substancialmente da metade do século 20 até aqui. Nesse sentido, o conceito de economia circular foi desenhado exatamente para substituir a linearidade do sistema atual, que “produz, consome e descarta”. Na economia circular, a lógica é outra – e ainda garante ótimos resultados econômicos.
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Economia circular vs. problemas econômicos e ambientais
O conceito de economia circular começou a ser cunhado no meio acadêmico europeu durante a década de 1970, mas nos últimos 15 anos se tornou mais presente na indústria e mercado – sobretudo, depois do agravamento dos problemas ambientais para o planeta.
Em artigo para a revista científica Nature, o arquiteto Walter R. Stahel define que uma economia circular deve transformar bens que estão no fim de sua vida útil em recursos para novos produtos, fechando os círculos em ecossistemas industriais e minimizando o desperdício. “Isso mudaria a lógica econômica porque substitui a produção pela suficiência: reutilize o que você puder, recicle o que não pode ser reutilizado, conserte o que está quebrado e “refabrique” o que não pode ser consertado”, define.
Para ele, os modelos de negócio de economia circular se dividem em dois grupos: o que promove a reutilização e estende a vida útil por meio de reparos, remanufatura, atualizações e retrofits; e o que transforma bens antigos em recursos novos, reciclando os materiais.
Um estudo realizado pelo think tank europeu Clube de Roma que envolveu sete nações da Europa afirma que fazer a transição de uma economia linear para um modelo circular resultaria em benefícios econômicos, sociais e ambientais. O relatório propõe três grandes matrizes estratégicas para a implementação de uma economia circular real: energia renovável, eficiência energética e eficiência material. A conclusão é de que, adotadas medidas neste sentido, o conjunto dos países pesquisados poderia reduzir suas emissões de carbono em cerca de 70%, aumentar o PIB em 1,5% e gerar quase 800 mil novos empregos.

“Pode não haver motivação econômica imediata para empresas, mas já não se trata de uma tendência, é senso comum: este é o único caminho para sustentar indústria no futuro”, afirma a designer Carla Tennebaum, cofundadora do projeto Ideia Circular, uma iniciativa de educação e comunicação sobre o assunto. “Alguns insumos da indústria, hoje, estão se esgotando. Começar a trabalhar a transição agora é se adaptar aos problemas econômicos do futuro”, completa.
Para Ademar Ribeiro Romeiro, professor de economia agrícola e ambiental da Unicamp, há uma missão urgente que a economia circular se propõe a resolver: aumentar a ecoeficiência nos processos produtivos e, assim, produzir mais com menos recursos materiais e energéticos – e gerando menos resíduos.
“Para as empresas, há uma ótima razão para aderir a isso: a razão econômica. Ser mais ecoeficiente economiza insumos, energia e matéria-prima – e a marca e seus produtos se tornam ambientalmente atraentes”, afirma. “Além da racionalidade econômica, há uma segunda motivação, que é a consciência ecológica. Empresas que não assumem algumas responsabilidades ficam sujeitas às sanções normativas determinadas por lei e também às sanções do mercado”, justifica.
China lidera a nova economia circular
O balanço final do ano de 2011 indicou que a China consumiu, sozinha, mais matérias-primeiras do que a soma dos 34 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) juntos: 25,2 bilhões de toneladas. E, até 2025, de acordo com artigo da revista Nature, estima-se que o país asiático seja responsável pela produção de cerca de um quarto dos resíduos sólidos urbanos do mundo.
O impacto ambiental pode ser imenso. Por isso, desde 2005, o governo chinês inclui, em seu programa, uma política ambiental que confere à economia circular a condição de principal meio para amenizar os riscos econômicos e ambientais de sua intensa capacidade produtiva. Políticas fiscais, de preços e industriais foram introduzidas e um fundo foi alocado para apoiar a conversão de parques industriais em aglomerações ecoindustriais, que nada mais são que uma aglomeração de distritos industriais que pode abrigar pequenas, médias e grandes empresas para produzir de forma dinâmica e eficiente com as premissas do desenvolvimento sustentável, de modo a buscar harmonia entre o econômico e o socioambiental.

Disso nasceram dez programas voltados para a administração e reciclagem de resíduos industriais. Em 2012, inclusive, o Ministério das Finanças exigiu que 50% dos parques industriais nacionais e 30% dos provinciais concluíssem iniciativas de transição para modelos de economia circular e chegassem perto de zero emissão de poluentes.
Em 2013, a eficiência de gestão de recursos e de resíduos já havia melhorado em 34,7% e 46,5%, respectivamente, e a taxa de tratamento da poluição aumentou em 74,6%. Os resultados chineses foram, inclusive, bastante superiores ao conjunto de países europeus, tradicionalmente líderes em programas ambientais. No ano de 2014, a China gerou 3,2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos industriais, mas recuperou 2 bilhões em reciclagem, compostagem, incineração ou reutilização; na União Europeia, foram gerados 2,5 bilhões de toneladas de resíduos e apenas 1 bilhão foi recuperado.
“Os benefícios econômicos são claros. Matérias-primas recicladas, regeneradas e de origem local são geralmente mais baratas, aumentando os lucros. O envolvimento do Estado na economia acaba sendo uma vantagem. Isso sustenta a ideia de como o progresso [sustentável] depende da capacidade dos países de implementar e desenvolver políticas industriais”, concluíram os pesquisadores John A. Mathews e Hao Tan para a Nature.
Sucesso depende de engajar a sociedade
Ademar Ribeiro Romeiro entende que a economia circular pode avançar em três etapas: o engajamento econômico, a normatização em leis e a consciência ambiental da sociedade. As empresas devem liderar este movimento devido ao potencial de ganho econômico a longo prazo e os Estados nacionais e grandes acordos internacionais já vêm, há algum tempo, trabalhando em estratégias para tornar a economia global mais sustentável. Além disso, o cidadão/consumidor também faz muito parte deste processo.
“Em última instância, mercado e opinião pública fazem mais diferença. Nem toda inovação ecoeficiente é econômica no início, o resultado pode levar anos”, analisa. “Os casos de logística reversa de Apple e Samsung são um exemplo: sai mais caro reutilizar os materiais do que produzir do zero, mas a sociedade exige esse tipo de ação”.
“O que não podemos fazer é colocar o ônus da responsabilidade apenas sobre o consumidor”, alerta Carla Tennebaum. “A indústria e o governo têm grande papel: o de conscientizar. E cabe às empresas colocar opções para o consumidor. É preciso mudar a percepção e para isso o produto circular precisa ser tão bom ou melhor que o convencional, afinal não se trata apenas de economizar material, mas de propor um recondicionamento cultural”, diz.

Já há modelos bem sucedidos de negócios baseados em princípios da economia circular. “A própria indústria da reciclagem é um exemplo. No Brasil, há um alto nível de reciclagem de alumínio, mas isso acontece, em parte, por causa da pobreza: sem emprego formal, as pessoas criam situações para gerar renda”, explica o professor da Unicamp.
Produtos e serviços compartilhados são, talvez, o exemplo mais evidente de como a economia circular deve funcionar. Walter Stahel, que escreveu para a Nature, sentencia que estamos entrando na era na qual “ser dono dará lugar ao gerenciar” e que “os compradores se tornarão criadores e usuários”.
A ideia é simples: o que vale é a função ou o serviço, não o produto. Por exemplo, mais importante que ter um carro, é poder ir do ponto A ao ponto B. Nesse sentido, um carro compartilhado é mais eficiente do que um carro individual. Quando o carro é compartilhado, os recursos materiais, energéticos e laborais empregados em sua produção estarão continuamente cumprindo sua função – e não apenas durante as duas ou três horas diárias em que isso aconteceria se o carro fosse só de uma pessoa.
A lógica serve para qualquer tipo de produto, como sistemas de ar-condicionado, computadores e até casas. A líder de segmento Xerox opera assim há décadas. A empresa não vende as máquinas fotocopiadoras, mas oferece às empresas o serviço de cópia: entrega as máquinas, presta assistência e as substitui quando necessário. “É um sistema que já dá certo”, conclui Walter Stahel.
Esta é a ideia que conduz o pensamento sobre a avaliação do ciclo de vida (ACV) de um produto ou de um negócio: olhar para todas suas etapas, “desde a extração e o beneficiamento das matérias-primas, passando por sua produção, distribuição e uso, até chegar ao seu descarte adequado, com a possibilidade de incorporação de seus resíduos em novos ciclos produtivos”, segundo a publicação Pensamento do Ciclo de Vida, do Sebrae. Desse modo, o objetivo é introduzir de forma sistêmica abordagens sustentáveis para um produto, negócio ou material, garantindo seu equilíbrio econômico na mesma medida que estabelece variáveis de impacto positivo social e ambiental.

Economia circular: 6 estratégias para implementar
O relatório produzido pelo Clube de Roma na Espanha, Finlândia, França, Holanda, Polônia, República Checa e Suécia traz algumas recomendações para implementar e fortalecer aspectos da economia circular. Confira.
Reforçar políticas
Reforçar as políticas de energia renovável, design ecológico e comércio de emissões;
Estabelecer metas
Estabelecer metas específicas de eficiência de recursos para materiais;
Focar em reciclagem e reutilização
Reforçar as metas de reciclagem e reutilização para ajudar a reduzir e processar resíduos e resíduos e colocar limites à incineração de resíduos;
Envolver o setor público
Utilizar os contratos públicos como incentivo para novos modelos de negócios;
Rever tributos
Repensar a tributação: reduzir os impostos sobre o trabalho e sobre materiais reciclados, aumentar os impostos sobre o consumo de recursos não renováveis;
Investir
Lançar programas de investimento em economia circular em níveis nacionais e internacionais.
Conheça o posicionamento da Braskem na íntegra acessando: http://www.braskem.com/economiacircular
Conteúdo publicado em 20 de fevereiro de 2019