Se em algum momento da vida você já entrou em um restaurante de estilo bufê deve ter noção do que significa um quilo de alimento. E se você consegue imaginar um prato de um quilo de comida bem equilibrado entre legumes, verduras, grãos e proteína animal, saiba que para esta refeição chegar até sua mesa, foram desperdiçados 400 gramas de alimentos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura no Brasil (FAO), entre um quarto e um terço de comida produzida anualmente por todo o mundo se perde, o que equivale a 1,3 bilhão de tonelada de alimentos – a entidade calcula que seria suficiente para abastecer dois dos sete bilhões de pessoas ao redor do planeta.
Do total, 6% da comida perdida foi produzida na América Latina. Na região, onde vivem 47 milhões de pessoas em situação de fome, 28% do desperdício está na conta dos consumidores finais – ou seja, nós -, mas a grande maioria foge dos nossos olhos. Do montante total, 28% se perde ainda na produção, 22% durante o manejo e o armazenamento, 17% na distribuição e mercado e 6% no processamento.
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“Na FAO fazemos uma diferenciação entre a ideia de perda e de desperdício. Perda é o que acontece na esfera do produtor. Da colheita, do armazenamento, do transporte”, explica Alan Bojanic, representante da FAO. Acabar com o desperdício é um ato de conscientização. Mas diminuir a perda de alimentos é uma questão de estrutura. “Neste tema, é preciso investimentos: melhores estradas, melhores armazéns, silos, colheitadeiras mais eficientes, produtores mais conscientes do que significam as perdas para melhorar a logística”, explica Bojanic.
Existe um elemento nesta cadeia de produção que é fundamental para levar os alimentos do campo para a mesa de forma eficiente – ou de forma não eficiente, quando seu uso não é adequado. Trata-se da embalagem, peça chave para armazenar, transportar e entregar a comida com segurança e em condições de consumo.
Como embalagens podem ser fator de economia sustentável?
O impacto da ação humana na Terra pode ser medido de diferentes formas. Há índices que apontam a pegada de carbono, água, energia… E em todos eles, a produção de alimentos aparece como uma das maiores intervenções de nossa espécie no planeta. O caso da carne bovina é, talvez, o mais emblemático dos exemplos: de acordo com a FAO, o território necessário para a produção de alimentos ocupa 26% de toda superfície habitável da Terra e apenas um quilo de picanha ou qualquer outro corte exige 15,4 mil litros de água doce para chegar ao seu prato.
Isso significa que se uma quantidade significativa de carne estragar por causa de armazenamento inadequado, por exemplo, muita água e uma enorme porção de terra foram desperdiçados – isso sem falar da vida, afinal um animal foi morto para gerar o alimento. Proteger o produto final é, também, proteger toda a abrangência de recursos naturais dispostos para produzi-lo.

“Quando falamos de embalagens, falamos de soluções que se propõe a serem eficientes e adequadas ao produto, inclusive do ponto de vista da sustentabilidade ambiental”, afirma Luciana Pellegrino, diretora executiva da Associação Brasileira de Embalagem (Abre). “E do ponto de vista econômico e social, deve ser pensada para tornar um produto mais acessível à população”, completou.
O documento Ethical living: Plastic – lose it or re-use it?, publicado em março de 2018 com dados do Euromonitor, vai ainda mais longe. O relatório afirma que o uso de embalagem adequada protege dez vezes mais recursos naturais (materiais diversos, água e energia) do que exige do planeta.
Aplicando a embalagem certa no produto adequado
Um levantamento da FAO realizado na América do Norte, replicado no documento O valor das embalagens flexíveis no aumento da vida útil e na redução do desperdício de alimentos, produzido pela Flexible Packaging Association (FDA), informa que os alimentos de hortifruti e os grãos são os que mais sofrem na armazenagem e transporte. No caso dos grãos, 10% do total se perde no processo de envase e 2% na distribuição. Os legumes, frutas e verduras precisam de cuidado ainda mais especial no transporte e distribuição, onde 12% deles são perdidos.
A pesquisadora do Cetea, Eloisa Garcia, explica que é preciso entender qual o gatilho da degeneração de cada tipo de alimento e que a proteção é pensada, de forma geral, em três linhas: mecânica, físico-química e microbiológica. Produtos de hortifruti, por exemplo, tem alta sensibilidade a quedas e batidas. Já as carnes apresentam maior risco de infestação microbiótica.

Por isso, quando observamos uma refeição padrão da cultura ocidental, repleta de legumes e verduras, grãos e carne de origem animal, vemos alimentos que já passaram por diversos formatos e materiais distintos de embalagem. Grãos, como arroz e feijão, são resistentes a choques mecânicos, mas precisam estar embalados em recipientes capazes de resistir a quedas e batidas para que não se percam no transporte e na armazenagem. “São produtos que estragam pelo ganho de umidade e, por isso, precisam de material resistente ao vapor da água, que é o caso de algumas resinas de polietileno e polipropileno”, explica Eloisa Garcia.
Legumes, verduras e frutas, por sua vez, precisam de embalagens que dêem conta de protegê-los contra riscos mecânicos. “Precisa ter resistência a quedas e batidas, mas de modo que possa ser manuseado”, diz Eloisa. Para os hortifrutis, as preocupações maiores são o transporte e o consumo final. No caso do deslocamento do produto, indica-se que seja feito em caixas de plástico, em detrimento às caixas de madeira, por dois motivos: um produto como o tomate, por exemplo, tende a ralar sua superfície com a da caixa e perde qualidade, além de ser um material de mais fácil lavagem e, portanto, menos propício a carregar bactérias.
No consumo final, a pesquisadora do Cetea explica que já há mecanismos sofisticados para aumentar a vida útil deles, caso de filmes plásticos de alta performance. Sem o cuidado específico para cada um deles, a perda de frescor já começa a ser perceptível se o alimento evaporar apenas 3% da água que compõe seu peso inicial. Para evitar o problema, deve-se reduzir a taxa de respiração da fruta, legume ou verdura.
Tecnologias que envolvem embalagens flexíveis com atmosfera modificada, como vácuo, apresentam resultados de alto rendimento. Podem prolongar a vida útil de uma uva de sete dias para 70 dias, de uma manga de 20 dias para 40 dias e de floretes de brócolis de seis dias para 20 dias.
Este mesmo tipo de embalagem já é comum para carnes e alimentos de origem animal. Tais embalagens flexíveis de atmosfera modificada aumentam as condições de consumo de carne moída de três para 20 dias, de um peixe, de sete para 12 dias, e de queijo provolone de 190 dias para 280 dias.
O armazenamento das carnes precisa ser cuidadoso, sobretudo, em dois aspectos: perda de água e proliferação de microorganismos. “Quando congelada, a maior preocupação é evitar o ressecamento ou até mesmo a queima pelo frio. Quando resfriada também resseca, mas pouco. O problema é a sensibilidade ao oxigênio, que faz o produto perder pigmentação e ficar marrom. Não compromete a qualidade nutricional da carne, mas o consumidor rejeita”, explica.
Para garantir a proteção microbiológica, a melhor solução é eliminar completamente a exposição do produto ao oxigênio – sem o gás, os microorganismos morrem. “Pode-se combinar embalagens a vácuo e barreiras mecânicas ao oxigênio. Neste segundo caso, combinam-se duas barreiras, cujos materiais mais propícios são alumínio, filme metalizado e filme de nylon ou de outro tipo de plástico”, exemplifica.

Quando se acrescenta alguma bebida à refeição, novas tecnologias de embalagem surgem. Uma garrafa de refrigerante precisa necessariamente manter o máximo possível de gás carbônico na bebida, já que o gás conserva o líquido e tem efeito bactericida. No caso de uma cerveja, a lógica é a mesma, mas com o agravante da intensa oxidação da bebida quando em contato com o ar. “Para o refrigerante, uma garrafa PET dá conta de proteger por três meses, mas se quero armazenar por mais tempo, devo utilizar alumínio ou vidro – as mais adequadas para cerveja.”
E, por fim, o oxigênio é também o maior vilão do desafio de levar um cafezinho rico em sabor e aroma até a xícara na mesa. A versão torrada e moída da semente reage ao ar e oxida rapidamente, perdendo suas características mais marcantes. “A embalagem do café, principalmente do produto em cápsula, precisa ser muito eficiente e, por isso, é produzida em três camadas: poliéster, folha de alumínio e de polietileno, além de aplicada a vácuo”, concluiu Eloisa.
E você, já pensou em como pode reaproveitar a embalagem de suas comidas?
Conteúdo publicado em 23 de outubro de 2018