Cientista extensamente premiado, Paulo Artaxo explica como o fenômeno das mudanças climáticas pode inviabilizar a vida humana na Terra e fala sobre a importância da preservação da Amazônia e da ciência brasileira

A lista de premiações, títulos, honrarias e menções honrosas recebidos por Paulo Artaxo é das mais extensas entre os cientistas que estudam mudanças climáticas em todo o mundo. Livre-docente em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Universidade Harvard (EUA), Artaxo é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da World Academy of Sciences (TWAS) e de oito painéis científicos internacionais, entre eles o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – onde integrou a equipe vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Filho de escrivão, o cientista começou a vida profissional como office-boy no cartório onde o pai trabalhava na Zona Norte de São Paulo, antes de ser aprovado no vestibular para o curso de Física na Universidade de São Paulo (USP). Queria entender como o mundo funciona e dedicou seus últimos 40 anos de vida à ciência e, sobretudo, à física aplicada à Amazônia e aos eventos de mudanças climáticas.

Ao longo de sua carreira, o professor do Instituto de Física da USP (IFUSP) publicou mais de 400 artigos científicos, 19 deles nas duas mais importantes revistas do segmento, Science e Nature – e foi listado como um dos pesquisadores mais citados do mundo pela plataforma Highly Cited Researchers.

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Paulo Artaxo recebeu a equipe de bluevision para falar sobre a importância da Amazônia, efeitos das mudanças climáticas, ações de proteção ambiental e políticas públicas para a ciência e a sustentabilidade. Confira.

Como começou seu interesse pela ciência e como ele se direcionou para estudos climáticos?

Paulo Artaxo: Desde a adolescência sempre fui muito curioso e interessado em entender como as coisas no nosso planeta funcionam. São sentimentos que despertaram muito cedo na minha vida. Daí para entrar em curso de Física e se tornar um cientista foi um processo quase automático. Sempre quis entender os processos físicos que ocorriam e o que se observava na atmosfera e no planeta como um todo. Aí fiz o curso de Física e comecei a me interessar. Fiz meu mestrado em física nuclear para aprender a base da ciência e o método científico e depois comecei a me interessar por física aplicada ao meio ambiente. Assim, passei a trabalhar com questões relacionadas à poluição do ar e às mudanças climáticas.

E os estudos sobre a Amazônia?

No caso da Amazônia, é um ecossistema muito pouco compreendido e que tem um complexo relacionamento com questões planetárias mais gerais, tanto no ciclo biológico como no ciclo de carbono, e também nos mecanismos de formação de nuvens. A Amazônia é uma região onde a biologia da floresta está muito ligada ao funcionamento químico da atmosfera e ao funcionamento físico do clima. É uma plataforma ideal para estudos interdisciplinares que envolvam biologia, química, física, estudos sociais e assim por diante. A Amazônia é o laboratório perfeito do ponto de vista científico para entender questões relevantes para o clima de nosso planeta.

Desde os anos 1970 você estuda a Amazônia e as consequências de sua degradação. Por que a Amazônia é tão importante para o clima global e quais os riscos de continuarmos explorando a região de forma inadequada?

A Amazônia armazena uma quantidade brutal de carbono, em torno de 100 a 120 teragramas de carbono. Para se ter uma ideia do que significa, é o equivalente a dez vezes a quantidade de carbono que é emitido pela queima de combustíveis fósseis a cada ano. Ela é absolutamente chave e estratégica nas mudanças climáticas globais. Se todo carbono que está sendo armazenado na Amazônia for, mesmo que lentamente, jogado para a atmosfera, isso vai agravar o efeito estufa de maneira significativa, aumentando a frequência de eventos climáticos extremos e as alterações do ciclo hidrológico, com consequências significativas para o clima global de nosso planeta. A Amazônia é uma das maiores fontes de vapor de água para atmosfera global e por isso tem impacto importante na chuva que ocorre nos Estados Unidos, Europa e todo o globo. A Amazônia é chave na questão climática e na questão de biodiversidade, contém a maior biodiversidade do planeta em qualquer ecossistema terrestre. Entender o relacionamento entre essa biodiversidade e o funcionamento ambiental do planeta é chave para as mudanças climáticas.

Você preside o Programa de Grande Escala Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA). O que essa ação faz pela Amazônia?

O LBA é um programa de pesquisa financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia que já tem 25 anos de duração. Ao longo desses 25 anos, o LBA tentou estudar como a Amazônia funciona naturalmente e como o desmatamento e as mudanças climáticas estão afetando o funcionamento básico do ecossistema. É um programa de pesquisa absolutamente chave para o Brasil, para entendermos e desenvolvermos melhores políticas públicas que possam explorar a Amazônia sem que ela seja destruída. Não é tarefa fácil, mas é absolutamente estratégica para o Brasil.

E o projeto GoAmazon, que você ajudou a criar? Como funciona?

O experimento GoAmazon foi um experimento científico realizado nos últimos quatro anos, a partir de 2014, visando entender a cidade de Manaus, que é uma situação única em nosso planeta: uma cidade de 2 milhões de habitantes circundada por floresta ao longo de 1.500 quilômetros em todas as direções. Não existe em outra região do planeta uma situação na qual podemos estudar como as emissões de uma área urbana como Manaus interagem com um ecossistema natural e quais são os produtos dessa interação. Isso é muito importante porque se daqui a 20 anos , 50 anos ou 200 anos nós tivermos as regiões tropicais baseadas em aglomerados urbanos, precisamos entender química, física e biologicamente qual o impacto que as emissões diárias urbanas têm no funcionamento natural do ecossistema.

Alguns estudos mostram que a Amazônia não sequestra mais dióxido de carbono como antes. Isso é verdade?

Até 2013 e 2014, a Amazônia estava absorvendo carbono da atmosfera a uma taxa na ordem de 0,5 tonelada de carbono por hectare por ano. Mas, infelizmente, nos últimos anos, esse serviço ambiental que a floresta executa para o planeta, de retirar dióxido de carbono da atmosfera, está sofrendo uma redução muito drástica. Isso principalmente por causa de: primeiro, desmatamento; segundo, aumento da frequência de eventos climáticos extremos na Amazônia. As secas de 2005 e de 2010 trouxeram estresse hídrico muito grande para o ecossistema e fizeram com que o ecossistema passasse a perder carbono. O outro aspecto é o aumento do desmatamento: na Amazônia se desmatou 5 mil quilômetros quadrados entre 2011 e 2012; em 2017, foram desmatados 8 mil quilômetros quadrados. Esse enorme aumento na taxa de desmatamento está fazendo com que a floresta amazônica perca carbono para a atmosfera, agravando o efeito estufa.

Quais são as melhores práticas de preservação da Amazônia para reverter esse quadro?

O Brasil teve um enorme sucesso na redução do desmatamento da Amazônia de 2004 até 2012: uma redução de 27 mil quilômetros quadrados, em 2004/2005, para cerca de 5 mil quilômetros quadrados em 2011/2012. Então, foram implementadas políticas públicas muito eficientes, que funcionaram e também mostraram que, se o governo brasileiro quiser reduzir o desmatamento da Amazônia, isto é possível, é factível e não custa rios de dinheiro – basta ter vontade política.

É possível reduzir a taxa de desmatamento da Amazônia? Sim! Com que instrumentos? Uma série deles, por exemplo: melhor fiscalização, ações para inibir financiamento para projetos agropecuários associados ao desmatamento, incentivo de produtos que vêm da Amazônia com certificações de que não vieram de regiões desmatadas e assim por diante. É um conjunto de políticas públicas que precisam ser aplicadas de maneira coerente e a história mostrou que, com tudo isso, é possível reduzir significativamente o desmatamento da Amazônia. Dá para equilibrar, é possível, mas precisa de uma governança, que o Estado brasileiro esteja presente na região amazônica para não deixar a região ao bel-prazer dos pecuaristas – por eles, não haveria mais nenhuma árvore em pé na Amazônia.

E quanto aos outros biomas brasileiros, sobretudo o Cerrado: quais riscos eles enfrentam?

O Cerrado é um ecossistema que está desaparecendo, ele é chave para a região central do Brasil. O Cerrado é a origem de várias bacias hidrográficas, como, por exemplo, a Bacia do Rio São Francisco. As alterações no uso do solo no Cerrado estão alterando muito significativamente o ciclo hidrológico dessas grandes bacias cuja origem ocorre lá. Ao contrário da Amazônia, onde existem políticas ambientais de proteção, o Cerrado é um ecossistema abandonado, digamos assim, no Brasil. Isso é um erro muito grande, é um ecossistema tão importante quanto o ecossistema amazônico e tem que haver políticas públicas de preservação do Cerrado como áreas de preservação ambiental, demarcação muito clara de quais áreas podem ser exploradas pela agricultura e que áreas não devem ser exploradas, e assim por diante.

E do ponto de vista global: quais são as maiores ameaças ao meio-ambiente?

Sem dúvida nenhuma, é a queima e emissão de gases de efeito estufa provenientes do consumo de combustíveis de origem fóssil. Hoje, nosso planeta, para cobrir nossas atividades econômicas, está aí emitindo cerca de 40 gigatoneladas (bilhões de toneladas) de dióxido de carbono para a atmosfera por ano e isso está alterando a composição da atmosfera. Essa composição da atmosfera terrestre está fazendo com que a temperatura esteja em franco e claro aumento. Até hoje, já aumentou 1,1°C e a previsão é que, até 2050, nós possamos observar um aumento da temperatura entre 1,5°C e 2°C. Isso vai afetar fortemente o funcionamento de todos os ecossistemas terrestres, aumentar a frequência de eventos climáticos extremos de forma significativa e trazer prejuízos socioeconômicos enormes para o planeta como um todo.

O aquecimento global é a maior preocupação de muitos ambientalistas e cientistas, como você. O que pode acontecer com o planeta se as previsões de elevação da temperatura média em 1°C a 2°C se confirmarem?

São várias as maneiras como as mudanças climáticas globais vão impactar na vida das pessoas. A primeira delas é alterando o regime hidrológico, ou seja, as chuvas. A cidade de São Paulo, por exemplo, ao longo dos últimos quatro anos passou por crises muito grandes de iminência de falta de água. A tendência é que essas alterações do ciclo hidrológico vão se intensificar. A Austrália está sofrendo problemas enormes também, assim como a África do Sul e regiões dos Estados Unidos, como a Califórnia. Já estamos observando, e não é coisa do futuro, profundas alterações no padrão de chuvas.

E nas cidades litorâneas?

Para quem mora em áreas ou cidades litorâneas, o aumento do nível do mar é uma das grandes ameaças. Esse aumento até hoje já foi, em média global total, da ordem de 20 centímetros, mas pode chegar a entre 60 centímetros até 1 metro em 2050. Isto aumenta a erosão nas áreas costeiras e traz prejuízos enormes para a infraestrutura, por exemplo, em estradas, para o lazer, com as praias, e para edificações em geral que não foram planejadas para suportar este nível de aumento no nível do mar.

Recentemente, cientistas brasileiros assinaram artigos para importantes publicações internacionais reclamando da falta de incentivo à ciência. Como o enfraquecimento da ciência no país pode prejudicar a sociedade?

Hoje, nós vivemos a sociedade do conhecimento. Se você observar as empresas mais valiosas nas bolsas do mundo todo, você tem Google, Facebook. São empresas que nasceram de alta tecnologia, que nasceram do desenvolvimento científico. Quando você vê aplicações de laser, de GPS, todas essas aplicações estratégicas para o funcionamento de nosso planeta tiveram berço no desenvolvimento científico e tecnológico. Cada vez mais, o desenvolvimento da ciência é estratégico para qualquer país. No Brasil, hoje, estamos vendo uma redução muito drástica dos recursos disponibilizados para esse desenvolvimento científico-tecnológico, que obviamente vai causar um atraso no desenvolvimento econômico do Brasil muito significativo. E isso pode durar várias décadas. Uma pequena redução de recursos hoje pode fazer um estrago nas próximas gerações do Brasil.

O que pode ser feito para reverter isso?

O que o país tem que fazer é aumentar a disponibilidade de recursos para o desenvolvimento científico-tecnológico, apoiar as universidades, apoiar os institutos de pesquisa porque é aí que vai nascer o desenvolvimento que pode fazer o Brasil virar uma nação de liderança mundial. Nós dependemos desse investimento para poder transformar o Brasil em, ao invés de apenas exportador de soja ou minério de ferro, uma potência mundial e permitir que parcela enorme da população que não tem hoje acesso à educação, à ciência e à tecnologia possa ter esse acesso em um futuro próximo.

Que atitudes podemos ter no dia a dia para evitar este impacto ambiental? O que eu, como cidadão e consumidor, posso fazer para garantir um futuro sustentável?

É importante observarmos que o planeta depende de políticas públicas. Ações individuais podem ajudar, mas de maneira alguma vão resolver o problema. Ao andar de bicicleta ao invés de usar o seu carro, você pode se sentir melhor, mas se os outros 8 bilhões de pessoas do nosso planeta continuarem usando o carro, o seu esforço é absolutamente e completamente inútil. Essa é uma característica nova na sociedade global. Nós precisamos, na verdade, de políticas, de governos fortes, bem orientados, com políticas públicas baseadas em ciência e não nos interesses econômicos de grandes corporações. Esta é a única saída para o planeta. Você pode reciclar materiais, isso sempre vai ajudar – e muito! -, mas não vamos nos enganar que isso vai resolver problemas ambientais do planeta, porque não vai. Na verdade, dependemos de eleger governos representativos e que tenham consciência da seriedade da crise que o planeta está vivendo, tanto climática quanto ambiental, e possam tomar medidas para mitigar essas mudanças climáticas e ambientais em geral.

Fundamentalmente, dependemos de políticas públicas do governo. Essas políticas públicas cada vez mais nos últimos anos, infelizmente, têm refletido interesses comerciais de grupos políticos. No caso da Amazônia, a devastação não é um desejo do povo brasileiro em geral, o povo é consciente da necessidade de preservação da Amazônia. Agora, os interesses dos ruralistas no Congresso Nacional têm prevalecido em relação aos interesses da população. Temos que reverter este curso.

Muita gente, inclusive líderes globais, negam, por exemplo o aquecimento global. Você entende que a ciência passa por uma crise de credibilidade pela sociedade? Você acha que o tema recebe a atenção que merece?

A ciência vem sendo bem acompanhada, sim, pela sociedade. Hoje, você dificilmente vai encontrar alguma pessoa que não defenda que devemos assumir uma matriz energética mais sustentável, que não devemos preservar a floresta amazônica, que não tem que preservar os recursos naturais do planeta de maneira mais inteligente. A questão da negação da ciência não vem do povo, isso é utilizado por alguns governos. Os Estados Unidos, por exemplo, tem o caso claro da defesa de interesses corporativos de determinados setores da sociedade, caso da indústria do petróleo, por exemplo. Eu não acho que está havendo uma negação da ciência em termos globais, a ciência está sendo usada para implantar políticas econômicas para determinados grupos econômicos, de maneira a enfraquecer o conhecimento científico em relação aos interesses econômicos desses grupos.

Esse é um fenômeno que está ocorrendo no Brasil, com a questão do desmatamento da Amazônia, mas não ocorre em outros países, como a Suécia, a Inglaterra, Portugal. São países com programas de médio e longo prazo de desenvolvimento sustentável. A Suécia, por exemplo, planeja até 2050 ser um país completamente livre de emissão de CO2. Veja que não é fenômeno global, é fenômeno localizado, particularmente em países com governos de extrema-direita, como Estados Unidos e talvez venha a ocorrer no Brasil. E, mesmo dentro dos EUA, há estados como a Califórnia que tem formas de desenvolvimento científico e manejo de uso energético muito intensos. Essas estratégias são todas baseadas em ciência.

Precisamos fazer é lutar contra o mau uso da ciência para beneficiar setores atrasados que não enxergam que o desenvolvimento tecnológico é o futuro da humanidade.

O bom uso da ciência é o que que te mantém motivado a seguir trabalhando com este tema?

Sem dúvida nenhuma. Desenvolver cada vez ciência mais sólida, trabalhar na divulgação dos resultados científicos que milhares de cientistas estão desenvolvendo em todo planeta para desenvolver métodos para tornar nosso planeta mais sustentável. Por que é a única saída que nós temos. A outra possibilidade é simplesmente continuarmos queimando combustíveis fósseis até acabar toda reserva de carvão, petróleo e gás natural do planeta, aumentar a temperatura média da Terra em 7°C ou 8°C e basicamente todos nós colapsarmos a nossa civilização. Esse é o outro lado. É fundamental termos o equilíbrio no desenvolvimento científico tecnológico do país, junto ao desenvolvimento econômico e social.

O incêndio no Museu Nacional teve algum impacto direto nos seus estudos? Como vê o prejuízo à ciência?

No meu trabalho não afetou nada. Mas, veja. No Brasil não há uma cultura governamental, embora haja uma cultura muito das pessoas. Por exemplo, o Museu do Amanhã no Rio de Janeiro. A qualquer hora que você for, vai ter uma fila de pelo menos meia hora para entrar no museu e isso nos últimos dois anos. É uma mensagem clara. Há um interesse enorme da população em ciência, em preservação dos recursos naturais, mas isso não corresponde ao apoio que o governo dá aos museus, e não só aos museus de ciência, mas também aos museus culturais. O Brasil ainda não aprendeu a trabalhar na proteção de sua cultura, como fazem os países europeus, que têm isso muito forte. Não temos política de preservação cultural de médio ou longo prazo, precisa ser uma política de Estado, não de governo, não pode ser limitar a um só museu. Só assim tragédias como a do Museu Nacional não acontecerão mais. É muito ruim porque deixamos de aprender com a história e traz gravíssimos prejuízos ao desenvolvimento social e econômico do próprio país.

Conteúdo publicado em 6 de novembro de 2018

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