Inspirada em experiências na Coreia do Sul e nos Emirados Árabes Unidos, a Smart City Laguna tem piso que evita formação de ilhas de calor, iluminação de LED e é uma das mais acessíveis do mundo: unidades podem ser financiadas pelo Minha Casa Minha Vida

No distrito de Croatá, parte integrante do município cearense de São Gonçalo do Amarante e distante menos de 1 hora e meia de Fortaleza, já está de pé a primeira cidade 100% inteligente do Brasil. Em janeiro de 2018, a Smart City Laguna entregou a primeira etapa de uma estrutura que pretende abrigar aproximadamente 25 mil pessoas em uma área total de 330 hectares – 48 deles dedicados exclusivamente às áreas verdes, distribuídos pela zona urbana. A fase final será concluída no primeiro semestre de 2020.

A Smart City Laguna nasceu com um objetivo audacioso, lembra Susanna Marchionni, CEO da Planet Smart City, grupo formado por empresas inglesas e italianas que está desenvolvendo o projeto. “Queremos ser revolucionários. A ideia é mudar a forma como as pessoas moram nas cidades e trabalhar o conceito de cidade inteligente no sentido também social, para que ela esteja ao alcance de todos”, explica.

A definição do que é uma cidade inteligente ainda está em aberto. Globalmente, o termo usado para se referir ao conceito é “smart city”, que se traduz, literalmente, para cidade inteligente. O termo foi empregado pela primeira vez em 2007 e descreve as cidades inteligentes como lugares onde se une capital humano, social e de infraestrutura de tecnologia e informação para gerar desenvolvimento econômico sustentável e melhorar a qualidade de vida das pessoas.

À medida em que novos formatos de cidade inteligente começaram a ser implementados, mais amplo o conceito se tornou. Hoje, ele envolve crescimento econômico sustentável, infraestrutura moderna, alta qualidade de vida e gestão inteligente de recursos naturais.

Cidade inteligente. Crédito: Divulgação/Smart City Laguna

Como são as cidades inteligentes pelo mundo?

Em 2003, a Coreia do Sul começou a projetar uma cidade inovadora, batizada de Songdo, no entorno do Incheon International Airport, o maior aeroporto do país. Songdo foi construída com preocupação ambiental e muita tecnologia. Espaços verdes estão por todos os lados, sensores subterrâneos detectam movimento e geram informação usada para organizar o trânsito, água do mar é utilizada para abastecer canais que servem de via de transporte poupando, assim, água doce, ciclovias cobrem boa parte da cidade e um sistema pneumático de gestão de resíduos facilita a coleta e reciclagem de lixo. Tudo isso ao custo de US$ 35 bilhões (R$ 130 bilhões).

O modelo se tornou referência mundial e recebeu o título de “primeira cidade inteligente do mundo” do jornal britânico The Guardian, em 2014. O sucesso atrai cada vez mais habitantes fixos. Seus 1.570 quilômetros quadrados foram projetados para uma população de 40 mil pessoas. Mas, já em 2013, 67 mil pessoas viviam em Songdo. A fase final de obras deve ser concluída em 2018 e, dentro de dois anos, 250 mil coreanos viverão por lá.

Nos Emirados Árabes Unidos, há outro modelo de cidade inteligente desenvolvido do zero. Masdar, que começou a ser erguida em 2006, nasceu com o objetivo de ser uma cidade com emissão zero de gás carbônico. Seus 50 mil habitantes previstos consumirão energia de origem 100% renovável. Para isso, além de todos os edifícios terem painéis solares em seus telhados, haverá uma fazenda solar com 87 mil painéis solares capaz de produzir 17.500 MWh de eletricidade limpa por ano. É energia suficiente para abastecer cerca de 85 mil casas brasileiras durante o período.

Porém, a principal inovação de Masdar está no seu sistema de transporte PRT, sigla para “Personal Transit Rapid” (“Trânsito Rápido Pessoal”, em tradução livre). Nele, carros compactos vão circular em alta velocidade sobre trilhos subterrâneos. Veículos convencionais, abastecidos com combustíveis de origem fóssil serão limitados. A expectativa é deixar de emitir 1 bilhão de toneladas de CO² todos os anos.

A cidade precisa ser inteligente para as pessoas

Viver em Songdo ou em Masdar é um privilégio. A cidade árabe, por exemplo, vende o metro quadrado de seus lotes por aproximadamente US$ 10 mil (R$ 37 mil). Para efeito de comparação, o metro quadrado mais caro do Brasil, segundo pesquisa FipeZap de 2017, está no Leblon, no Rio de Janeiro, e custa R$ 21 mil.

No Ceará, a promessa é manter os valores compatíveis com o poder de compra da classe média brasileira. O empreendimento coloca à venda lotes de 150 metros quadrados por R$ 30 mil e casas por valores que variam de R$ 100 mil a R$ 150 mil. Os imóveis podem, ainda, ser financiados pelo programa federal de moradia popular Minha Casa Minha Vida.

“Me perguntam sempre: qual o seu público alvo? Não existe. Uma cidade inteligente significa uma cidade cuja infraestrutura e tecnologia devem ser de altíssimo padrão e estar ao alcance de todos. A nossa forma de trabalhar exige inclusão social”, relata Susanna. “Quando se fala de cidade inteligente, o que as pessoas pensam é em tecnologia, mas o principal é ser inteligente para as pessoas”, completa.

Não haverá limitação de acesso externo, como cancelas, para a Smart City Laguna. Pelo contrário, a expectativa do projeto é atrair e receber moradores do entorno da cidade inteligente para atividades realizadas gratuitamente. Na construção planejada para ser a sede de um instituto cultural, haverá extensa grade de programação que envolve sessões de cinema, aulas de inglês e cursos de artesanato e empreendedorismo – tudo gratuito e aberto para quem mora em São Gonçalo do Amarante.

Cidade inteligente. Crédito: Divulgação/Smart City Laguna

Em pontos de interesse público, como o centro cultural, as praças e os parques, será oferecido sinal de internet 4G gratuitamente. A conectividade, diz Susanna, é um aspecto primordial para promover a integração e o bem estar. “Criamos o aplicativo “Planeta App”, um painel de controle da cidade. Nele, os moradores podem ver tudo que acontece: programação de festas, de eventos, as câmeras da cidade. E também interagir com a plataforma de economia compartilhada, oferecendo e avaliando serviços”, resume a CEO.

Urbanismo e infraestrutura pautados pela sustentabilidade

A organização dos 7.065 lotes que compõem a Smart City Laguna é dividida entre áreas residenciais, com 6.009 lotes, polos comerciais e de serviços, com 920 lotes, e polo tecnológico e empresarial, com 136 lotes. Os organizadores dizem que o projeto foi pensado de modo que a distância entre a casa dos cidadãos e seus trabalhos possa ser percorrida, majoritariamente, a pé ou de bicicleta – pela malha cicloviária que cobre a área urbana.

Com o investimento total de US$ 50 milhões (R$ 185 milhões), o projeto urbanístico foi pensado do zero. O planejamento começou com terraplanagem e drenagem profunda da área, seguido pela pavimentação de vias com piso de concreto intertravado, ou seja, que evita a formação de ilhas de calor, e pela fixação de calçadas largas com acessibilidade. Da área total, 14,5% será mantida como espaço verde e haverá um parque ou uma praça a, no máximo, 400 metros de cada propriedade.

Susanna afirma que todos os lotes são entregues com ligações domiciliares de água e esgoto, conectadas ao sistema fornecido pelo município. As tubulações e as ligações de energia são feitas de forma subterrânea e a iluminação da cidade é baseada em lâmpadas de LED, que usam até 80% menos energia que lâmpadas incandescentes.

A matriz energética, porém, ainda é hidrelétrica – ou seja, com custo ambiental. “Com a chegada dos primeiros moradores, estamos firmando parceria com uma empresa que vai vender energia de fontes renováveis [como energia solar]”, explica.

Cidade inteligente. Crédito: Divulgação/Smart City Laguna

Região é polo de desenvolvimento cearense

A Smart City Laguna está localizada a 70 quilômetros de Fortaleza e a 30 quilômetros da Praia de Paracuru, o trecho de litoral mais próximo. Mas não é a beleza do litoral cearense que atraiu o empreendimento, e sim o pujante Complexo Industrial e Portuário do Pecém, a aproximadamente 50 quilômetros de distância.

“É uma das regiões de maior desenvolvimento do país. Identificamos uma área grande, de 330 hectares, que combinava duas condições: déficit habitacional e crescimento econômico”, explica Susanna, que formou parceria com as empresas TIM, Enel, Samsung, Arup e StarBoost para fornecimento de serviços à comunidade.

Pecém é a décima segunda maior uma zona portuária brasileira e já foi avaliada como a décima melhor estrutura portuária do país, com alto potencial estratégico para exportação com destino aos Estados Unidos e Europa. O complexo abriga ainda a ZPE Ceará – Zona de Processamento e Exportação, que funciona como uma zona franca e que foi eleita a melhor das Américas pelo Financial Times – e as obras para a construção da Companhia Siderúrgica do Pecém, uma indústria que deve empregar 23 mil pessoas, cujo investimento previsto é de US$ 5,4 bilhões (R$ 20 bilhões).

E você, já pensou em viver em uma cidade inteligente?

Conteúdo publicado em 20 de julho de 2018

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