Professor da USP e do Observatório de Inovação do Instituto de Estudos Avançados, Glauco Arbix será um dos palestrantes do painel Cidades Inteligentes e Sustentáveis | Internet, inovação e impactos tecnológicos, realizado na abertura da edição paulistana da Virada Sustentável em 2019 (dia 22/08, às 11h, no Unibes Cultural).
Em entrevista ao bluevision, Arbix abordou as reflexões que irá apresentar no festival da sustentabilidade. Ele explica a necessidade de pensar a cidade de forma organizada e global de modo que eficiência e inteligência estejam alinhadas aos pilares da sustentabilidade e antecipa suas avaliações sobre as perspectivas de um futuro transformado pela revolução da Indústria 4.0.
O extenso currículo do sociólogo especialista [GLK1] em teoria da inovação e sociologia econômica registra passagens pelo Massachusetts Institute of Technology (EUA), Universidade da California Berkeley (EUA) e London School of Economics (Reino Unidos) e já ocupou a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Leia a entrevista a seguir:
bluevision: Quando a gente integra a ideia de cidade inteligente a cidade sustentável, o que estamos dizendo exatamente?
Glauco Arbix: Em princípio, uma cidade inteligente é uma cidade sustentável. Não é inteligente se não for sustentável. A maioria das cidades do mundo sofrem de males fortes, que praticamente impedem o desenvolvimento da economia e a geração de empregos e ainda produzem resíduos, poluição, violência… A ideia de pensar cidade inteligente é fugir do mais do mesmo.
Pensar inteligente é fazer um planejamento global dessa cidade, e não diz respeito só à tecnologia. As pessoas pensam que cidade inteligente precisa de tecnologia por todo lado. A tecnologia é importante, claro! Faz parte da vida das pessoas, muda a forma de viver, de se relacionar, de se comunicar e se divertir. Mas quando a gente fala de cidade inteligente, penso em cidade que consegue não gerar resíduos poluidores, que tem controle energético mais eficiente, que tem mobilidade mais eficiente, que seja mais segura para as pessoas.
Cidade que não trabalha a inclusão não é inteligente. Pode ser uma “cidade eficiente para poucos” ou uma “cidade com tecnologia”, mas não é inteligente. E isso é mais importante ainda em países em desenvolvimento, que têm problemas fiscais fortes e déficits estruturais de qualificação e qualidade do emprego.
b: Qual é o objetivo de eficiência que as grandes cidades devem ter? Ou seja, como balancear os impactos econômicos, sociais e ambientais nas políticas públicas?
GA: Não tem receita de bolo. As cidades são muitos distintas, mesmo que se trabalhe com conceitos gerais. Se você pensa na Índia, que já vem com plano, desde 2015, de transformar 100 cidades em cidades inteligentes, você vê que isso significa ter cidades com melhor mobilidade, com saneamento básico; introduz questões que já encaminhamos aqui.
A grande contribuição nesse contexto é um chamado para que se pense de maneira global, sem remendos. Não bastam cidades ultra eficientes no controle de tráfego, por exemplo, com inteligência artificial que calcula fluxos de veículos. A melhora no trânsito [GLK2] é importante, claro, é significativa, mas está longe de ser suficiente para ser uma cidade inteligente. É uma cidade que funciona melhor, mas com as mazelas de sempre.
Ações públicas e privadas respondem a lógicas próprias e mudam com rapidez. Portanto, é muito importante mitigar pobreza e desigualdade, mas também chamar pessoas para integrar a cidade.
b: Na sua avaliação, o impulso tecnológico para as cidades virá da iniciativa privada ou do Estado? E como balancear a ação de ambos neste contexto?
GA: Em um país como Brasil, dentro de São Paulo, por exemplo, que é quase um país em si, ninguém resolve nada sozinho. Quem prometer isso está enganando o público. Se privado falar que vai fazer, se universidade anunciar que tem propostas… Para tudo isso, carecem de meios de ação. Tem que atuar em conjunto.
Em função da crise fiscal do Estado no Brasil, o poder público terá que fazer apelos muito fortes para que haja investimento privado. É diferente da China, que tem participação muito forte do Estado, que tem recursos e é muito centralizado. Mas mesmo lá, em regiões mais nobres, se definem prioridades levando em conta a necessidade de um melhor lugar para viver, com empregos, educação e qualificação, e menos resíduos. É fácil falar de tecnologia, que a iniciativa privada vai implementar isso em todo lugar, mas, sem os devidos cuidados, a tecnologia acaba tirando empregos. Não sabemos se haverá emprego em abundância e, por isso, a qualificação para viver em uma cidade mais organizada e saudável é fundamental.
Tem que atrair toda inteligência da sociedade. Por isso, vou sugerir na Virada Sustentável a constituição de um conselho: o setor privado precisa discutir projetos públicos e o setor público precisa se relacionar e entender as necessidades do privado, e a universidade pode ser o interlocutor qualificado para esse debate.
b: A Indústria 4.0 gera alguns receios. Por exemplo, um eventual extermínio de empregos. O que pensa a respeito?
GA: Quando falamos de 4.0, falamos de uma indústria do futuro, de tecnologias nascentes. Isso faz a imaginação das pessoas voarem, mas ainda não é realidade. É verdade que há alguns poucos países liderando esse movimento e apenas em alguns segmentos da economia. Como a Indústria 4.0 ainda vive sua infância, não há estudos conclusivos para a geração de mais ou menos empregos. Mas, definitivamente, os sinais não são bonitos e preveem alteração forte na estrutura do trabalho.
Há quem diga que sempre foi assim, que a tecnologia tirou empregos mas criou outros e acabou até dinamizando o trabalho, que foi o caso do século 20. Parece verdade se você olhar para trás e pensar que a dinâmica vai repetir, talvez com uma transição mais dolorosa para alguns segmentos da sociedade. Outros pensam diferente: o caráter altamente qualificado da automação não só substitui o trabalho rotineiro e repetitivo, como o industrial, mas já atinge níveis gerenciais e atividades como médicos, advogados e professores. Se você olha com essa lente, você vê um futuro mais sombrio.
O que eu posso dizer: é bom ficar esperto. Precisamos esperar para ter respostas mais seguras, mas podemos dizer que a natureza do trabalho está sendo alterada e que cuidar da qualificação é prioritário. Principalmente em cidades como São Paulo, que é centro industrial, polo econômico e de serviços, onde tudo de bom acontece primeiro, mas tem colaterais.
b: Em contexto global, como a melhora das condições ambientais das cidades colabora para reduzir o impacto no planeta?
GA: As cidades são geradores de efeitos perversos, como emissão de gases de efeito estufa, que alteram o clima – o que não é só responsabilidade da pecuária e agricultura. Outros efeitos são: excesso de lixo produzido e armazenado, consumo desregulado, geração de energia e transmissão com desperdício.
Metade da população do mundo já vive em área urbana e isso deve subir até 70%. Pensar em cidades inteligentes não significa só ter vida melhor em cidades mais organizadas, mas ter um planeta melhor e com mais responsabilidade. Desde a Primeira Revolução Industrial, estão instituídos hábitos, como a sede de lucro e a ganância. É difícil de reestruturar tudo isso, mas vale a pena e é necessário investir avançar nesse terreno. É possível termos uma cidade melhor, mais eficiente, mais saudável, mais sustentável e com mais bem-estar, mas isso custa. Agora, é preciso inventar e ter criatividade para gerar recursos e viabilizar essas transformações.
Conteúdo publicado em 21 de agosto de 2019