Soluções simples e inovadoras favorecem economia, reutilização de recursos naturais, interação de pessoas e harmonia entre os equipamentos das cidades

Uma cidade sustentável exige muito mais do que o uso de materiais ecologicamente corretos e sistemas isolados de eficiência hídrica e energética. Um sistema urbano realmente eficiente do ponto de vista da sustentabilidade precisa de algo que considere o todo – uma solução que necessariamente passa pelo design.

O caso da construção civil é simbólico. Para medir a viabilidade e sustentabilidade de novas edificações, são consideradas avaliações ainda mais amplas que o uso conveniente de eletricidade, água, gás ou saneamento básico. A cidade de São Paulo, por exemplo, regula desde 1999 a atividade de coleta de resíduos desta indústria. Alguns órgãos de controle, como a Green Building Council Brasil (GBC Brasil), que oferece a Certificação LEED, estabelecem especificações para que um empreendimento possa ser considerado verde.

Para a arquiteta Ana Simão, é preciso ir além: mais do que prédios inteligentes, uma cidade sustentável precisa ser pensada de maneira integrada e abrangente. “Não basta que apenas as construções utilizem iluminação econômica e água de reúso, mas que a infraestrutura como um todo seja pensada de forma coordenada, valorizando energeticamente os resíduos de maneira contínua”, afirma.

Apesar das orientações de instituições públicas ou privadas que partem de iniciativas ambientais, habitacionais ou comerciais, muitas cidades não observam boas práticas de adensamento. O mais comum é que bairros se formem e cresçam seguindo vocações espontâneas. Municípios fortemente residenciais passam a ser considerados meros “dormitórios” e exigem grande deslocamento para locais de trabalho ou compras, sobrecarregando o sistema de mobilidade urbana, seja por transporte coletivo ou carros particulares. “São Paulo foi se formando lote a lote, há poucos bairros com zoneamento misto. É preciso pensar o adensamento e as estruturas urbanas em conjunto”, destaca Verônica Polzer, arquiteta, pesquisadora, professora da Universidade Mackenzie e consultora em gerenciamento de resíduos sólidos.

Comunicação eficiente é uma das ferramentas mais importantes para estruturar uma cidade sustentável. Verônica cita o exemplo de instalações de gás ou saneamento básico: se as concessionárias trabalhassem de forma integrada com as empresas fornecedoras de energia, uma perfuração no asfalto para manutenção poderia ser o momento ideal para enterrar os fios que passam pelos postes levando eletricidade ou sinal de internet. Para ela, o importante é “juntar esforços para resolver problemas. Isso é que é sustentável e inovador.”

Novos desenhos, antigas tecnologias

As soluções mais eficientes muitas vezes são encontradas em práticas simples e tradicionais, embora precisem de nova roupagem e outras aplicações. É o caso do tijolo de adobe, que é artesanal, natural e gera menos resíduos, mas é produzido no próprio canteiro da obra e precisa ser protegido contra umidade. “É um ótimo material, térmico, acústico e funciona muito melhor do que o que temos na construção civil hoje”, informa Verônica.

Certos modelos de tijolos ecológicos já estão sendo aproveitados em larga escala. Apesar de serem um pouco mais caros, eles não passam pela etapa de queima e se colam uns aos outros, ou seja, não empregam argamassa. E um detalhe pode fazer toda a diferença, do ponto de vista sustentável. Algumas marcas oferecem tijolos com um furo no meio, o que permite o encaminhamento de pilares e vigas entre os tijolos, facilitando o trabalho e gerando menos detritos ao final do processo.

E quem não sabe a diferença que faz ter uma plantinha em casa ou no escritório? As paredes verdes apareceram recentemente para ajudar a cidade a respirar melhor e tomaram conta da paisagem. A prefeitura de São Paulo adotou a prática para ruas e avenidas a partir de 2016, cobrindo grafites e pichações com vasos de onde brotam folhas e flores. Verônica, no entanto, alerta para o fato de que essas paredes não foram pensadas para receberem o peso e a umidade das plantas, de maneira que danos na estrutura dos muros e medianeiras ainda não podem ser avaliados. Além de precisarem de manutenção constante, as paredes verdes têm alto custo para implantação. “Neste sentido, é melhor pensar em telhados verdes, como fez o Shopping Eldorado. Se tiver infiltração, pode-se corrigir sem risco para a estrutura”, afirma.

Outro exemplo de inovação que favorece a sustentabilidade é o uso do container. Ele revolucionou o transporte de carga, mas o equipamento para uso terrestre tem uma vida útil que pode variar entre oito e 20 anos apenas. Depois disso, precisa ser descartado e pode ser recondicionado para uso na construção civil, reaproveitando o material. “Acho fantástico. É uma solução fácil, limpa, rápida e acessível para quem precisa de moradia”, explica a arquiteta.

Apesar de seu uso ser ainda tímido no Brasil, muitas iniciativas no exterior já incorporam o uso dos containers para áreas amplas. É o caso da vila de estudantes na cidade universitária Le Havre, na França. Lá, prédios de quatro andares foram montados a partir de containers usados, dando lugar a 100 apartamentos de 24 metros quadrados por unidade.

Co-design: pensando junto

Como muitas cidades receberam seus equipamentos urbanos e moradias de maneira irregular e irrefletida, o esforço para fomentar a sustentabilidade deve promover uma urbanização humana, que favoreça interações sociais e cuide das necessidades das pessoas que farão uso dos espaços individuais e coletivos. Para isso surgiu o co-design: metodologia que planeja a arquitetura da cidade junto com a população. A arquiteta Vanessa Padiá trabalhou durante oito anos como coordenadora na elaboração do plano urbanístico para o bairro de Heliópolis, na zona sul de São Paulo. Uma equipe técnica transformou o mapa mental da comunidade em maquete física, facilitando a visualização do trabalho e ampliando o diálogo.

A partir do entendimento conjunto, foi possível verificar onde havia estrangulamento de via, infraestrutura insalubre, possibilidade de abertura de áreas confinadas e remoções que gerassem benefícios coletivos. “As lideranças comunitárias passaram a opinar, mostrando quais iniciativas poderiam impactar positivamente”, conta Vanessa. “É preciso o envolvimento de toda a comunidade para que o trabalho feito seja positivo e perene”, afirma.

Ela diz que a percepção do espaço e sua utilização podem variar muito de acordo com o público. Uma área desprezada no projeto pode ter valor inestimável para os usuários. “De repente, é ali que a molecada empina pipa ou joga bolinha de gude. Pode ser onde a senhora coloca a cadeira para sentar e tomar sol. A cozinha pode ser especialmente importante para uma família que a usa como sala de estar”, lista a arquiteta. “Os moradores são o centro da questão quando se trata de urbanização de comunidades.”

O que a natureza faria?

Outro método que ajuda a pensar o design para a sustentabilidade é a biomimética. A palavra difícil esconde soluções simples: observar como plantas e animais lidam com desafios comuns. Trata-se de traduzir as funções naturais para incorporá-las a projetos a partir de sua estrutura visível. Não entendeu ainda? Giane Cauzzi Brocco, mestre em engenharia e consultora em biomimética, dá como exemplo o trem-bala japonês, cujo barulho era tão alto que podia ser ouvido a 400 metros de distância. Por causa da resistência do ar, o trem causava estouros sonoros ao passar por túneis. A solução estava no bico do martim-pescador, um passarinho que mergulha em alta velocidade para apanhar comida quase sem fazer barulho nem espirrar água. Isso porque o desenho do bico fura a resistência do ar. Quando um design semelhante ao do bico do pássaro foi aplicado ao trem, resolveu o problema.

No Brasil, a GCP Arquitetura e Urbanismo construiu o Votu Hotel, na Praia dos Algodões, Península de Maraú, Bahia. O planejamento com biomimética, idealizado por Alessandra Araújo, orientou a arquitetura do local. O projeto prevê auto-sombreamento inspirado na capacidade de algumas espécies de cactos, além de cobertura inteligente para o edifício, usando ventilação natural e garantindo conforto térmico baseado no design das tocas feitas pelo cão-da-pradaria, que faz entradas e saídas de ar dinâmicas nas áreas escavadas. A cozinha do hotel trabalha com um sistema de troca de calor com o ambiente externo, semelhante ao resfriamento executado pelo bico dos tucanos, que dispensa calor excessivo – a estratégia preserva a temperatura e evita gastos com sistemas de ar condicionado.

Outro exemplo é o edifício Eastgate Center, no Zimbábue. Inspirado nos montes de terra feitos pelas térmitas (insetos semelhantes aos cupins), o complexo comercial não utiliza nenhum sistema artificial de refrigeração ou aquecimento. Canais de entrada e saída de ar se abrem e fecham de maneira inteligente, mantendo o clima interno agradável e gerando economia de 40% no custo operacional de energia.

Para Giane, a conclusão é que uma cidade inteligente, a chamada Smart City, não se baseia apenas da tecnologia dos equipamentos domésticos ou de sua conectividade. “É aquela que funciona sob os mesmos princípios de uma floresta, favorecendo os organismos vivos, facilitando a convivência, reaproveitando recursos, cuidando da interação, cooperação e que incorpore soluções saudáveis”, afirma.

Conteúdo publicado em 10 de setembro de 2018

O que a Braskem está fazendo sobre isso?

A Braskem promove, anualmente, o Desafio de Design, que tem como objetivo apresentar o plástico a futuros designers e arquitetos como um material versátil e adaptável, que viabiliza a solução de problemas e abre caminhos para oportunidades nunca antes imaginadas. As inscrições para a sexta edição do desafio para estudantes do ensino superior foram/serão abertas em 30 de junho. Serão 21 participantes divididos em sete equipes com três membros cada. Os vencedores terão o design viabilizado pela Braskem e por uma empresa parceira, que o lançará como produto. Acesse aqui: http://desafiodesign.com.br/

Veja Também