“O design, para ser ecologicamente e socialmente responsável, deve ser revolucionário e radical”. A afirmação vem de um dos maiores pioneiros, teóricos e ativista do design inteligente e do design sustentável. Na década de 1970, quando publicou o livro Design para o mundo real: ecologia humana e mudança social (1971), o designer e professor austríaco Victor Papanek antecipou um movimento que hoje domina a indústria: o olhar sobre o projeto é fundamental para garantir mais sustentabilidade a um produto ou serviço.
Ainda não chegou o momento em que as empresas e os governos banquem projetos revolucionários do ponto de vista da sustentabilidade, mas cresce a compreensão de que os profissionais responsáveis por pensar as formas do produto ou serviço precisam ter em mente valores comprometidos com o bem estar do planeta e da comunidade.
E não é à toa. Já em 1991, o Conselho Nacional de Pesquisa norte-americano publicou um estudo apontando que o design de engenharia no país precisava ser melhorado para aumentar a competitividade e o impacto “verde”. Neste levantamento de abrangência nacional nos Estados Unidos, se concluiu que o momento do desenvolvimento do produto e de seu processo de fabricação determina 70% ou mais dos custos de desenvolvimento de um produto – inclusive, do custo ambiental. E, de acordo com a organização internacional Design Council, o que se decide na fase de projeto é responsável por mais de 80% dos impactos ecológicos de um bem de consumo.
O que se decide na fase de projeto é responsável por mais de 80% dos impactos ecológicos de um bem de consumo – Design Council
Nos EUA, por exemplo, há uma série de legislações que exige responsabilidade ambiental conferida desde o desenho de um projeto. Um caso que ganhou destaque no país foi a assinatura da Lei de Independência e Segurança de Energia, em 2007, que estabeleceu a aplicação de princípios de design sustentável quanto à localização, à construção e ao desenho de novos edifícios. A lei também firmou metas ousadas de economia de água e de redução de emissão de gases nocivos. Entre elas está a redução, em 100%, do consumo de energia gerada por combustíveis fósseis até 2030 e o gerenciamento de pelo menos 95% de água de chuva para reúso.
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Design sustentável: o que é e como fazer
No livro The Philosophy of Sustainable Design, “A filosofia do design sustentável”, em tradução livre (Ecotone Publishing Company, 2004), Jason F. McLennan afirma que o trabalho de um designer deve “eliminar completamente o impacto ambiental negativo por meio de um design sensível” – ou seja, rejeita a falsa oposição entre preocupação estética e compromisso com a natureza.
O conceito de design sustentável é também chamado de design para sustentabilidade e abrange uma ampla gama de atividades, caso do design de produtos, da arquitetura, do planejamento urbano, entre outros. “É uma ideia mais completa que a ideia de ecodesign, uma atividade que está relacionada apenas aos aspectos ambientais”, explica Luiza Grazziotin Selau, coordenadora do curso de Design do Centro Universitário da Serra Gaúcha e especialista em sustentabilidade em projetos.
Luiza explica que um projeto desenhado com foco em sustentabilidade naturalmente se concentra em questões ambientais, mas também envolve outros fatores e exige estratégias que deem conta de todo desenvolvimento do produto: desde a decisão do local e da forma de extração da matéria prima usada, passando pela definição de formatos de uso e técnicas de baixo impacto de produção, até o fim de sua vida útil e a destinação final do material sem valor econômico.

“Pode ser perigoso pensar em design como um processo porque isso implica que ele é linear e padronizado, e nenhum dos dois é verdadeiro. Ele é composto de um conjunto de capacidades e ferramentas que são aplicadas a um problema de várias maneiras, da mesma forma que um marceneiro sabe quando usar as ferramentas certas quando faz vários móveis, mesmo que ele nem sempre as use na mesma ordem”, disse Tim Brown, design thinker e CEO da Ideo, em entrevista ao site norte-americano The Huffington Post.
Em sua obra, McLennan lista algumas das principais técnicas e ferramentas recomendadas para o design sustentável. Conheça algumas delas.
As 6 técnicas do design sustentável
Lista elaborada pelo americano Jason F. McLennan, autor de “A filosofia do design sustentável”, referência no mundo do design sustentável
Análise de materiais
A matéria prima deve ser não-tóxica, produzida de forma sustentável, ou reciclada ou reutilizada
Eficácia de recursos
Propor processos de fabricação mais eficientes que os tradicionais e produtos finais mais duradouros, que serão substituídos com menor frequência
Design for assembly and disassembly
Ou seja, “design para montagem” e o “design para desmontagem” – que significa projetar produtos que sejam mais fáceis de desmontar para que suas peças possam ser facilmente reutilizadas
Avaliação de Ciclo de Vida (ACV)
Aplicar as técnicas da ACV para entender todo ciclo de vida do produto e, com essas informações, criar produtos de maneira mais sustentável
Certificações
Conferir a origem de todos os recursos empregados no projeto, desde a fonte de energia, que deve ser renovável, até a garantia de respeito aos direitos humanos dos impactados
Desejo de mudança
Instigar novos comportamentos do consumidor, como fizeram as empresas Xerox (que aluga suas copiadoras ao invés de vendê-las) e a Zipcar (que gerencia um serviço de compartilhamento de carros)

Design inteligente como guia de comportamento do consumidor
Uma das ideias mais difundidas do “guru” do marketing Philip Kotler é de que a decisão do consumidor na hora da escolha do produto ou serviço sofre impacto de aspectos que são mais profundos que a mera racionalidade econômica. As influências permeiam questões culturais, sociais, pessoais e psicológicos. “O designer pode agir por meio de seus projetos em alguns destes fatores. Visto que ele cria, melhora e altera produtos, pode desenvolver projetos que inspirem e influenciem o consumidor e, se for aliado à área de marketing, podem afetar a questão cultural predominante”, analisa Luiza do Centro Universitário da Serra Gaúcha.
Forjar uma cultura voltada à sustentabilidade é um esforço de via dupla: é preciso mudar tanto o jeito de consumir quando o de produzir. O relatório Melhoria ambiental através do desenvolvimento de produtos – Um guia, desenvolvido pela Agência de Proteção Ambiental da Dinamarca, destaca a importância de olhar para o desenho do projeto dos muros para dentro das empresas.
O documento mostra que cerca de 90% dos resíduos de um produto podem ser atribuídos a seu processo de fabricação, muito antes do usuário final pôr as mãos no objeto. “O pensamento ambiental sistemático no desenvolvimento de produtos leva a produtos que atendem às exigências da legislação e dos padrões, e para os quais existe uma demanda crescente entre os clientes”, afirma. O caminho para tal, indica o documento, é estabelecer canais de comunicação entre todos departamentos de uma empresa para garantir que o pensamento ambientalmente adequado permeie todas as etapas, sobretudo o desenho do projeto.
Na sociedade civil, a mudança cultural exige outros ferramentas de convencimento. Dentro da indústria, indicadores e números convencem profissionais a tomarem decisões pró-sustentabilidade com motivações claras: gerar valor para sua empresa. Já o consumidor, diante de uma variedade de produtos dispostos na gôndola do mercado, precisa ser encantado – o que é a missão do design.
“Não acho que você consiga convencer ninguém a acreditar na inovação por meio de um argumento intelectual. Tem que ser visceral de alguma forma. As explicações ajudam a justificar o compromisso, mas não o criam”, afirmou Tim Brown ao HuffPost. Para ele, é preciso estudar os consumidores e entender suas necessidades e comportamentos para projetar novos conceitos.
“Infelizmente a sustentabilidade ainda não é motivo de escolha pela grande maioria, mas existe um movimento neste sentido”, analisa Luiza. “As empresas que não se adequarem e não buscarem melhorias visando a sustentabilidade, aos poucos perderão espaço porque não terão valor agregado e laços com seus clientes. O que fideliza o cliente hoje em dia não é preço, e sim os valores, princípios e práticas verdadeiras em cada nicho de mercado”, reforça.
Para transformar, portanto, o designer precisa focar em dois grandes objetivos: emocionar e informar o consumidor. “O produto na gôndola deve ser mais atrativo e estabelecer conexão com a consciência do consumidor”, diz Luiza. “O seu diferencial precisa ser mostrado por meio do compromisso com uma causa, mas também com dados que revelam o que o produto tem de melhor. Isso conscientiza escolhas”, conclui Luiza.

Como o Design for X pode mudar a cultura
Design for X está em alta entre designers, mas ainda é um ilustre desconhecido para a maior parte da população. Trata-se de um conceito composto de técnicas que têm características estratégicas para a estruturação de negócios, produtos e serviços. “O Design for X é bastante tangível quando aplicado em projetos de forma sistêmica, sobretudo quando se pensa um projeto centrado no ser humano”, explica Israel Lessak, especialista em Human-Centered Design e co-fundador do escritório de design Kyvo.
Lessak explica que Design for X não é um método em si, mas uma forma de pensar e projetar ideias e processos. Nos projetos no qual a técnica é aplicada, são observadas, avaliadas, analisadas e debatidas todas as etapas de produção; em cada uma delas, é revisada uma série de critérios como um checklist. Por definição, este trabalho é realizado por uma equipe interdisciplinar: envolve profissionais de engenharia, de produção, de logística, de marketing, de recursos humanos, entre outros – sua abordagem holística tem semelhanças com a avaliação de ciclo de vida.
O “X” para o qual o design é dedicado pode representar diversas características: entre os objetivos possíveis estão capacidade produtiva, rendimento industrial, confiabilidade do produto, alcance do serviço, custo final etc. Mas, defende Lessak, não deve ser dedicado à sustentabilidade. “O Design for X é fase a fase, e a sustentabilidade precisa ser transversal”, afirma. “Sustentabilidade, assim como inovação, é algo que deve estar em todas as etapas, deve ser parte integrante da cultura de uma organização”.
E quando há cultura de desenvolvimento sustentável em uma companhia, este valor integra o produto ou serviço e modela o comportamento do consumidor. “Gosto de pensar como um conceito de design sistêmico, que proponha respostas ao todo do sistema social. O que podemos fazer para mudar certos aspectos da sociedade?”, questiona Lessak. “O design começa como uma ferramenta que dá condições para um trabalho, uma estratégia e até uma cultura. O objetivo é criar coisas com razão que não seja meramente comercial”, finaliza.

Consumidor guiado por propósito está em alta
Pesquisas de opinião mostram que, em todo o mundo, consumidores estão tomando decisões de compra cada vez mais baseados em crenças do que em preços. Um levantamento de 2018 realizado pela agência Edelman em oito mercados (Brasil, China, Índia, Japão, EUA, França, Alemanha e Reino Unido) informa que 64% dos consumidores estão orientados pelo propósito – um crescimento de 13 pontos percentuais em relação ao ano anterior. No Brasil, o índice é ainda mais alto: 69%.
E não se trata de uma tendência majoritária entre jovens ou grupos engajados. A mesma pesquisa afirma que os números são estáveis em todas faixas etárias e em todos níveis de renda – inclusive com resultado levemente superior no grupo de pessoas com 55 anos ou mais. Ao todo, 60% de todos os pesquisados concordam que as marcas devem facilitar a visualização de valores (como posição em relação à sustentabilidade) no ponto de venda – “esta é também função do design em seu entendimento mais clássico: deve ser funcional e visual e contribuir como apelo para o produto ou para causa”, explica Lessak,
“A finalidade é ter um compromisso genuíno e significativo com princípios importantes que os consumidores se preocupem – como saúde e bem-estar, sustentabilidade ambiental e conexões familiares – e que formem as decisões de negócios”, disse Bill Theofilou, diretor executivo da consultoria Accenture. A consultoria internacional produziu pesquisa semelhante – que apresentou resultados semelhantes. Dos 30 mil entrevistados, 62% dizem que sua decisão de compra é motivada pelos valores éticos.
Sustentabilidade e design, juntos, provam ser um ótimo negócio.
Conteúdo publicado em 3 de junho de 2019