Fifa promove campanha de compensação de emissões de carbono e exige estádios com certificação verde; ambientalistas questionam contradições na política de sustentabilidade da entidade

A Fifa, entidade máxima do futebol e organizadora da Copa do Mundo, foi a primeira organização internacional de esportes a aderir ao “Climate Neutral Now”, programa desenvolvido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a compensação de emissões de carbono após a assinatura do Acordo de Paris, em 2015. O compromisso da Fifa é de reduzir o impacto de carbono e neutralizar suas emissões por completo até 2050.

Para cumprir os compromissos assumidos pela entidade, o Mundial realizado na Rússia entre junho e julho foi planejado com uma extensa e rígida cartilha de medidas e ações sustentáveis. Um programa de compensação de carbono e a exigência de certificações ambientais para os 12 estádios da Copa são os maiores exemplos. Mas, de acordo com ambientalistas europeus, isso não foi o suficiente: há denúncias de que construções foram erguidas em reservas ambientais e que o torneio serviu de fachada para um esquema global de greenwashing.

O balanço da Copa do Mundo no Brasil

A competição que contou com seleções nacionais de 32 países e viu a França/Croácia se sagrar campeã do mundo é uma poderosa emissora de gases de carbono. De acordo com o relatório de sustentabilidade produzido pela Fifa, calcula-se que sejam emitidos 2,17 milhões de tCO2e (toneladas de carbono equivalente), uma média de 2,9 tCO2e para cada torcedor estrangeiro que pisou na Rússia.

À primeira vista, já houve uma evolução em relação à emissão de carbono do Mundial de 2014, realizado no Brasil: aquela Copa teve emissão total de 2,72 milhões de toneladas carbono, segundo o relatório de sustentabilidade oficial do torneio. Foi a primeira vez que a Fifa estimou a pegada de carbono de uma competição e se comprometeu a compensar 251 mil tCO2e (9,2% do total), referentes às emissões que estavam sob seu controle operacional.

Quando se fala de Copa do Mundo, o maior “vilão ambiental” é o transporte. No Mundial realizado no Brasil, 51% de todo carbono emitido foi resultado da locomoção internacional de torcedores e 29% teve origem no transporte dentro de terras brasileiras – as viagens de avião representaram 50,6% do montante total. E 91% de toda essa emissão ocorreu durante a realização do torneio – e não durante os preparativos.

De acordo com a Fifa, a Copa no Brasil registrou um índice excelente de reciclagem de materiais. “As cooperativas coletaram e reciclaram 445 toneladas [39% mais do que o estimado previamente] de resíduos de papel, vidro, metal e plástico. A disposição estava de acordo com a nova lei brasileira de resíduos, contribuindo para os ambiciosos objetivos de gestão de resíduos do nosso governo”, disse, à época, Ricardo Trade, CEO do Comitê Organizador Local.

Do ponto de vista de acessibilidade e inclusão, a Fifa anunciou ter distribuído 18,2% de todos os ingressos para deficientes, idosos e moradores brasileiros de baixa renda. E, também, incluiu mais 32 projetos brasileiros de promoção social via esporte no programa global “Football for Hope”, presente em 78 países. Cada uma das organizações escolhidas recebeu até US$ 50 mil da entidade. Na Rússia, os números da ação ainda não foram divulgados.

Programa de compensação de emissão de carbono

Também no Brasil, a Fifa inaugurou um programa para reduzir o impacto de carbono gerado pelo Mundial. Cerca de 400 mil compradores de ingressos foram convidados a avaliar o impacto ambiental de suas viagens e, assim, conscientizarem-se no sentido da mitigação dessas emissões com o consumo mais consciente nos meses que antecederam a competição.

Neste programa, os fãs que comprassem ingressos para os jogos e se cadastrassem poderiam concorrer a um par de tickets para a final da Copa do Mundo – no Brasil, realizada no Maracanã; na Rússia, no Estádio Lujniki, de Moscou.

Na Rússia, a Fifa repetiu a estratégia, mas com menor alcance. A entidade diminuiu os recursos destinados à compensar as emissões resultantes de seu próprio negócio para 243 mil tCO2e (11,2% das emissões totais) e limitou o programa focado nos torcedores para 100 mil tCO2e, ou seja, um limite 34,5 mil fãs – o total de espectadores é de 3 milhões.

“O clima da Terra está mudando devido à atividade humana. Precisamos reduzir as emissões que entram na atmosfera”, afirmou Fatma Samoura, secretária-geral da Fifa, sobre as emissões do mundial russo. “A Fifa leva muito a sério sua responsabilidade ambiental. Como parte de nossa estratégia dupla, a Fifa e o Comitê Organizador Local compensarão todas as suas próprias emissões operacionais e, por meio da campanha de ação climática, também apoiaremos e nos envolveremos com os torcedores, neutralizando as emissões daqueles que se juntarem a nós”, explicou.

Ambientalistas criticam Fifa e patrocinadores

Em entrevista à plataforma de investigação ambiental Desmog UK, Jesse Bragg, da organização internacional Corporate Accountability, criticou duramente o patrocínio da companhia de gás natural russa Gazprom à Copa do Mundo. “Você não pode encorajar a ação climática enquanto recebe dinheiro das indústrias que conduzem a crise. É como assumir compromissos com a saúde pública enquanto recebe da indústria do tabaco”, afirmou.

Além dele, Nicolò Wojewoda, líder na Europa da organização de defesa ambiental 350.org, também condenou a relação da Fifa com a empresa. “A Fifa é uma marca e uma instituição muito poderosa. Este é o nível mais alto de greenwashing possível”, afirmou à Desmog UK. “Eles fazem as pessoas pensarem que podem continuar suas atividades porque estão fazendo algo legal, como patrocinar a Copa do Mundo. Mas a realidade é que eles são responsáveis ​​pela principal catástrofe climática em que estamos”, concluiu.

O argumento dos representantes da Corporate Accountability e da 350.org é de que a atividade da Gazprom “causa danos sem precedentes à vida e ao meio-ambiente” e de que qualquer esforço da entidade ou de seus torcedores é mínimo, diante da ação da companhia. “A Copa do Mundo une as pessoas enquanto essas empresas estão destruindo o mundo. É uma vergonha”, finalizou Bragg.

O que é greenwashing?

O termo greenwashing apareceu pela primeira em um ensaio escrito pelo ativista ambiental norte-americano Jay Westerveld, em 1986. Derivado da expressão “whitewashing” (prática política de encobrimento de crimes), “greenwashing”, em tradução livre para português, significa algo como “maquiagem verde” e representa a prática de empresas que usam técnicas de marketing e relações públicas para ganhar a opinião pública com ações superficiais do ponto de vista sustentável e ecológico.

Estádio da Copa do Mundo. Crédito: Getty Images/Fifa

Estádios verdes: certificados e polêmicas para as arenas

A Copa do Mundo da Rússia foi a primeira das 21 edições do Mundial na qual todos os estádios foram certificados com selos de construções sustentáveis. “Os estádios são fundamentais em nossos esforços para organizar uma Copa do Mundo da FIFA mais sustentável, razão pela qual a Fifa tornou a certificação verde obrigatória para todas as arenas usadas no evento”, disse Federico Addiechi, diretor de Sustentabilidade e Diversidade da entidade.

Em 2011, a Fifa já havia testado a implementação de medidas verdes na construção de arenas. Na Copa do Mundo Feminina de 2011, o governo alemão apoiou ações ecologicamente adequadas e teve resultado positivo: houve investimento médio de 700 mil euros por instalação, mas a economia média anual registrada foi de 300 mil euros.

Na Copa do Mundo de 2014, também houve incentivo para que as arenas apresentassem soluções sustentáveis. O caso mais bem sucedido foi a instalação de um painel solar com capacidade de 2,5 MW no Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, com financiamento estatal, concedido pelo Banco de Desenvolvimento do Brasil.

Na Rússia, os investimentos em sustentabilidade foram direcionados para a redução da emissão de carbono e eficiência no uso da água e de energia. A política de sustentabilidade de estádios da Fifa exigiu:

• implementação de tecnologias eficientes em energia e água, incluindo projetos de sistemas de engenharia eficientes, construções, tecnologias e equipamentos;

• uso de materiais duráveis ​​e de economia de energia;

• organização bem planejada de fluxos de transporte e uso de veículos de baixa emissão ou veículos movidos a combustíveis alternativos;

• gestão eficaz de resíduos com reutilização e reciclagem máximas.

A regra vale para as instalações temporárias das Fan Fests – onde torcedores se reúnem para acompanhar jogos por meio de telões – e para todos os 12 estádios que receberam jogos da Copa, inclusive no casos do Luzhniki e do Ekaterinburg Arena, construídos na década de 1950 – os dois são patrimônio arquitetônico histórico e passaram por cuidadosa remodelação.

O que todas as arenas do país-sede do Mundial têm em comum é o fato de receberem certificações internacionais, caso dos selos Breeam (Método de Avaliação Ambiental do Building Research Establishment) e Leed (Leadership in Energy and Environmental Design).

No entanto, algumas arenas foram rejeitadas pelos ambientalistas locais. Isso porque nove dos 12 estádios estão situados dentro ou perto das zonas de proteção das águas do rio ou costeiras. Os ativistas russos afirmam que embora tenham certificações verdes, estes estádios foram construídos sobre ecossistemas vulneráveis.

O caso mais emblemático é o do Estádio de Kaliningrado, situado a 3 quilômetros do Golfo de Ushakovsky no Mar Báltico, nas margens do rio Pregolya. “Era uma típica ilha do delta, um paraíso ecológico para os pássaros que vivem na cidade”, disse a ecologista Alexandra Korolyova para a agência AP News. “Se a Rússia fosse mais atenta à proteção do meio ambiente, teria se tornado uma reserva ou um parque nacional dentro da cidade”, reclamou.

Outros estádios alvos de protesto foram a Arena Kazan, em Kazan (os organizadores construíram um estacionamento em área de proteção ambiental) e a Arena Mordovia, em Saransk (erguida sobre região de pântano). De acordo com a AP News, para a construção das arenas, mais de 1 milhão de toneladas de areia foi usada em toda Rússia para cobrir áreas alagadas.

“Teoricamente, é claro, você pode chamar qualquer pântano de um lugar muito bonito e ambientalmente limpo, mas não é realmente correto em relação à infraestrutura [que construímos] para as cidades”, defendeu Arkady Dvorkovich, presidente do Comitê Organizador da Copa. “Tudo foi feito de acordo com as melhores práticas”, garantiu.

 

Conteúdo publicado em 17 de julho de 2018

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