Nos últimos anos, a Suécia se tornou referência mundial em reciclagem. Hoje, mais de 99% de todos os resíduos domésticos do país escandinavo são reciclados, segundo estudo da Associação Sueca de Reciclagem e Resíduos (Avfall Sverige). Mas, nem sempre foi assim. Até 1975, o país reciclava só 38% de seus resíduos. As mudanças para chegar aos 99% foram muitas. Afinal, não é fácil convencer a população de todo um país – hoje estimada em 10 milhões de habitantes – a mudar seus hábitos. Mas a Suécia conseguiu. Como?
Ao rever a história das políticas de reciclagem da Suécia nos últimos anos, duas medidas se destacam no esforço para universalizar a prática.
A primeira tem a ver com a disponibilidade e visibilidade da reciclagem. Desde o começo dos anos 1980, a Suécia optou por fazer pequenas estações locais de reciclagem em vez de erguer grandes plantas centrais. Com a pulverização dessas estações, estima-se que, hoje, não haja residência ou apartamento na Suécia a mais de 300 metros de distância de uma estação de reciclagem. Com isso, os cidadãos não só têm coleta seletiva frequente e a pequenas distâncias, como sabem para onde vai o lixo, entendem de que maneira o processo funciona e passam a valorizá-lo.
A reciclagem faz parte da cultura do bairro, da cidade e do país
A segunda medida se relaciona com o bolso da população e tem reflexos importantes na formação de um novo entendimento acerca do valor dos resíduos. Desde 2000, os suecos pagam uma taxa de recolhimento de lixo que varia de acordo com a quantidade de resíduos produzida. Ou seja, quem produz mais lixo, paga mais caro. Criou-se, assim, um estímulo econômico em favor da reciclagem, que permite a redução no volume total de lixo produzido a ser recolhido. E o que é mais importante: desde que a taxa foi criada, ela já foi reajustada em 74%, de acordo com um estudo da Agência Ambiental Européia (EEA, na sigla em inglês). Não custa lembrar que a inflação anual da Suécia gira na casa dos 2%.
Com essa segunda medida, o governo conseguiu, em uma tacada só, aumentar os índices de reciclagem e reduzir o volume de lixo produzido. Simultaneamente, criou-se uma cultura de valorização da durabilidade dos produtos e do próprio lixo, que passa a ter um preço claro.

O mercado da reciclagem
No que se refere à valorização da durabilidade, agências governamentais e empresas suecas já traçaram um plano que incentiva as indústrias a fabricarem produtos que duram mais, evitando o desperdício. Hoje, se estuda a possibilidade de conceder isenções fiscais em nível nacional de até 50% para serviços de reparo em eletrônicos e eletrodomésticos, por exemplo. O objetivo é estimular o conserto de uma geladeira ou uma televisão quebradas, em vez do seu descarte.
A cultura da reciclagem teve outras ramificações na economia sueca. No comércio, a loja de departamentos H&M, por exemplo, começou a aceitar roupas usadas de clientes em troca de cupons de desconto. No setor de infraestrutura, viu-se o crescimento no número de empresas privadas interessadas no mercado da reciclagem. Hoje, em 67% dos municípios do país, a coleta de alimentos e resíduos é feita por estas empresas, enquanto 29% dos municípios realizam coleta pelo sistema público, e 4% usam uma solução mista.
Quando se fala em inovação em reciclagem, a Suécia também tem iniciativas interessantes e alinhadas com a cultura que se criou no país. A Optibag, por exemplo, desenvolveu uma máquina que automatiza a separação, por cor, de sacolas de lixo. Com isso, basta padronizar as cores para diferentes materiais – lixo orgânico em sacos verdes, papéis em sacos vermelhos, metal em sacos amarelos etc. – e se elimina a necessidade de triagem nas estações de reciclagem, reduzindo custos e agilizando processos.
A polêmica em torno da reciclagem energética
Toda revolução que se preze tem suas controvérsias. E a da reciclagem na Suécia, apesar do retumbante sucesso, também tem as suas. Hoje, cerca de 50% dos resíduos domésticos reciclados no país são queimados para produzir energia em usinas de incineração – a chamada reciclagem energética. Em 2016, quase 2,3 milhões de toneladas de resíduos domésticos foram transformados em energia através da queima. O lixo é um combustível relativamente barato, o que faz desse processo algo lucrativo para o país. Tão lucrativo que, em 2014, a Suécia chegou a importar 2,7 milhões de toneladas de resíduos de outros países para esse fim.
Queimar lixo, porém, tem suas desvantagens. Ainda que estudos indiquem que apenas 0,1% de todo volume de fumaça produzido na reciclagem energética seja tóxica e que, oficialmente, essas emissões sejam tratadas, em sua maioria, como queima de biomassa – menos tóxica – há quem critique a prática. Na Suécia mesmo, em 2006, foi implementada uma taxa de incineração do lixo – que acabou abolida em 2010 segundo estudo do Waste Matters. Enquanto valeu, o imposto se aplicou apenas ao lixo residencial; o lixo comercial e industrial não foi tributado, embora representasse metade de todo material incinerado.
O próprio relatório da Avfall Sverige mostra que, em termos de eficiência energética, é mais barato fazer um produto do zero do que reciclá-lo. “Estamos tentando subir este degrau, da [substituição da] queima para a reciclagem de materiais”, disse Wigvist em declaração à página oficial do país na internet. A julgar pelo sucesso das últimas empreitadas suecas no setor, tem tudo para dar certo.
Conteúdo publicado em 12 de junho de 2018