Em 2008, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) divulgou uma espécie de lista negra federal, na qual foram apontados os 36 municípios que mais haviam desmatado até então. Entre as cidades denunciadas pelo uso irresponsável dos recursos naturais estava a paraense Paragominas, onde cerca de 43% de seus mais de 20 mil quilômetros quadrados – território de tamanho equivalente ao do estado de Sergipe – haviam sido devastados. O cálculo, àquela época, era de quase 8.400 quilômetros de mata virgem completamente perdida. Mas a situação mudou e, hoje, a cidade é exemplo de proteção ambiental e economia verde.
Paragominas não é uma cidade pequena: está a 300 km de Belém e tem população estimada em 110 mil habitantes. A primeira geração de moradores chegou à região na década de 1960, no embalo da construção da Rodovia Belém-Brasília e estimulada por um projeto nacional de integração que estimulava o desmatamento para a produção de riqueza na Amazônia. Assim, migrantes do Sul, Sudeste e Centro-Oeste se deslocaram até lá e fundaram o município em 1965 – época na qual a cidade era pejorativamente apelidada de Paragobala, em referência às disputas de terra resolvidas à mão armada.
Em entrevista à revista Época, o fazendeiro Pérsio Barros de Lima explicou como a economia da Amazônia foi impulsionada nos anos 1970. “Meu pai plantava o capim para o boi e não tinha tempo nem de o animal comer para comprovar sua qualidade, pois o agente bancário já vinha fazer a vistoria. O que importava era a ocupação do solo e até novos empréstimos podiam ser entabulados ali mesmo no campo”, afirmou o fazendeiro que deixou sua terra natal, Aimorés (Minas Gerais), para migrar em 1972.
No entanto, a exploração desenfreada da floresta amazônica gerou custos ambientais de consequências severas – as mudanças climáticas têm entre suas motivações o desmatamento. A consciência ambiental se tornou uma obrigação e, gradativamente, pressões políticas e econômicas formalizaram leis de proteção à mata nativa. “O que é certo hoje, pode não ser amanhã. Toda atividade muda e progride com o tempo. Por isso sou contra o desmatamento, porque continuar desmatando é fazer o mesmo que meu pai fazia há 40 anos”, disse o pecuarista Mauro Lúcio de Castro Costa em depoimento ao canal de comunicação do Programa Municípios Verdes.
Quando a lista negra foi publicada, os municípios punidos poderiam requerer sua exclusão se provassem que reduziram o desmatamento a uma taxa inferior a 40 quilômetros quadrados – Paragominas apresentava índice acima de 50 km² de desmatamento. Não se tratava apenas de um constrangimento à cidade, mas de uma ação de impacto real na economia local: os municípios listados eram penalizados com restrição de crédito e barreiras para comercializar seus produtos. Era preciso não só parar imediatamente de desmatar, como também gerar riqueza de forma sustentável.
“Temos uma cultura na qual o governo é visto como autoritário pelos produtores e estes como inimigos que só fazem coisa errada pelo governo. Isso precisa mudar. Precisa ter fiscalização, autuação, mas temos que trabalhar em conjunto”, afirmou Mauro Lúcio ao Programa Municípios Verdes. Assim, governo, ONGs e produtores locais acertaram um pacto para promover um novo tipo de economia sustentável, ou seja, sem recursos provenientes do desmatamento, e sem uso de trabalho escravo ou infantil – e que se comprometeria também com o reflorestamento de 10 mil árvores por ano.

O resultado veio rápido. Em dois anos, Paragominas saiu da lista negra do MMA e passou a ter crédito facilitado para produção rural. Em quatro anos, o desmatamento caiu para 10%, ou seja, caiu de 0,30% da área total por ano em 2008 para 0,032% em 2012. Hoje, o município conta com 66,5% de seu território de floresta nativa como área protegida e aumentou consideravelmente sua produtividade na gestão responsável da cultura de grãos e criação de gado.
Como Paragominas reverteu a situação do desmatamento?
A divulgação da lista com os municípios que mais desmatam no país chegou a Paragominas pouco antes de outro episódio determinante para sua virada verde. Também em 2008, a Operação Arco de Fogo, promovida pela Polícia Federal, fechou carvoarias e embargou dezenas de propriedades que promoviam desmatamento ilegal. O quadro na cidade era de total crise econômica e desemprego.
Então, a prefeitura convocou uma reunião com 51 entidades, entre elas empresas, sindicatos, associações de moradores e ONGs. Após três horas de debate, nasceu o programa Município Verde, em parceria com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), responsável por monitorar o desmatamento da floresta em tempo real, via satélite.
A estratégia era boa, mas por pouco não acabou em seis meses. No fim de 2008, uma ação conjunta do Ibama e da Funai repreendeu o desmatamento ilegal em terras indígenas e apreendeu caminhões de madeira e equipamentos. Como reação, os criminosos atearam fogo na sede do Ibama, nos veículos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e ameaçaram linchar seus funcionários. Felizmente, porém, em vez de enfraquecer o programa, a agressão tornou o pacto pelo programa ainda mais forte.
O Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas juntou forças com a ONG The Nature Conservancy (TNC) para o trabalho de cadastrar todo o território municipal. Junto a isso, foi elaborado um plano de ação que contemplava campanhas ambientais, projetos de educação ambiental para crianças e adultos e atuação mais próxima a produtores rurais.
Em um ano de projeto, o desmatamento caiu 90% e o número de propriedades rurais cadastradas chegou a 80% – hoje está acima dos 90%. E além de ser o primeiro município a sair da lista de desmatamento, Paragominas atraiu a primeira fábrica de MDF (material derivado da madeira) das regiões Norte e Nordeste e diversos produtores de grãos, como soja, milho e arroz, além de pecuaristas que arrendaram terras subutilizadas para promover duas técnicas estabelecidas pelo município: pecuária verde e agricultura de baixo carbono.
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Programa Municípios Verdes: exemplo para todo o estado
Não demorou para que o exemplo de Paragominas fosse repetido por todo o estado. No Pará, 96 de dos 144 municípios integram o Programa Municípios Verdes (PMV), agora sob custódia do governo do estado – a participação de todos é voluntária.
“O modelo de desenvolvimento da década de 1970, sobretudo na Amazônia, trouxe para o Pará o pior dos cenários. Trouxe degradação ambiental, desigualdade social e violência no campo. Isso faz do Pará um estado rico e seu povo, pobre”, afirmou Justiniano Queiroz Netto, secretário extraordinário do PMV por cinco anos, em depoimento ao Programa Municípios Verdes.
Quando o PMV entrou em ação, o Pará e o Mato Grosso eram os líderes de desmatamento da Amazônia. Em 2012, 1,25 milhão de quilômetros quadrados de território paraense havia sido desmatado, o equivalente a 21% do total do estado. Parar de desmatar era um desafio de dupla motivação: além do óbvio ganho ambiental (cada árvore não derrubada garante o equilíbrio de mais 27 exemplares), o custo-benefício econômico também é vantajoso, afinal para cada hectare desmatado gasta-se, em média, R$ 500, mas para promover sua recuperação o investimento é quatro vezes maior: R$ 2 mil.
Por isso, o PMV também se dedicou a propor alternativas economicamente viáveis para convencer produtores a aderirem ao projeto. “A agenda de combate ao desmatamento era uma agenda de repressão, que não considerava os atores locais como parte da solução”, reforça Justiniano Queiroz.
PMV: metodologia e desafios
De modo a incluir toda a cadeia produtiva no programa, a metodologia do PMV avançou em três eixos estratégicos: ordenamento ambiental fundiário; gestão ambiental compartilhada e apoio à produção sustentável.
Na ponta das estratégias de ordenamento e gestão ambiental estão algumas medidas restritivas, como uma atualização da lista de municípios que mais desmatam na Amazônia e a imposição de restrições administrativas a eles. Entre as ações estão a restrição do crédito rural e a responsabilização do produtor em toda a cadeia da carne, além de fortalecer as operações de fiscalização.
Por outro lado, o PMV estimula modelos produtivos sustentáveis a partir do apoio ao manejo múltiplo de florestas nativas (como produção de mercadorias florestais não madeireiras e pagamentos por serviços ambientais), à pecuária verde (intensificando a produtividade da agropecuária) e à silvicultura florestal (reflorestamento para fins econômicos).

Esse conjunto de ações se reverte em mais investimentos, uma vez que estes municípios oferecem mais segurança jurídica aos investidores, mais crédito e assistência técnica oferecidos pelo governo federal e em produtos mais valorizados no mercado – Walmart, Carrefour e Pão-de-Açúcar, por exemplo, declararam que não comprarão mais produtos oriundos de desmatamento ilegal e de trabalho em condições análogas à de escravo.
A meta do Pará é reduzir em 80% o desmatamento no estado até 2020 e obter, a partir desta data, desmatamento líquido zero. O compromisso está de acordo com o assumido voluntariamente pelo Brasil, na COP-15, de 2009, de reduzir em pelo menos 36% suas emissões de carbono até o mesmo período. Até 2015, ano do último relatório divulgado pelo PMV, o desmatamento no Pará havia reduzido 39%, quase quatro vezes maior que a redução de 10% que todo território amazônico registrou no mesmo período.
Cabe agora acompanhar se os resultados do Programa Municípios Verdes são capazes de responder aos dois grandes desafios que se propõe vencer no território amazônico: promover serviços ambientais para o mundo e melhorar o padrão de desenvolvimento e qualidade de vida de sua população.
Conheça o posicionamento da Braskem na íntegra acessando: http://www.braskem.com/economiacircular
Conteúdo publicado em 17 de outubro de 2018