O circuito dos alimentos orgânicos está com o pé no acelerador – e em 2019 a velocidade de crescimento deste mercado parece cada vez mais alta. Nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada em 48 estados afirma que 82% das famílias norte-americanas compram ao menos um produto orgânico com regularidade. E no Brasil, este mercado já chegou à casa dos R$ 4 bilhões de faturamento em 2018, um avanço de 20% em relação ao ano anterior – projeção que se mantém para este ano.
Alimentar-se com comida mais fresca, livre de defensivos agrícolas, oriunda de produtores locais e com propriedades mais saudáveis estão entre os principais motivos que mobilizam os consumidores a irem a feiras ou mercados em busca de orgânicos. O apelo é tanto que, em todo mundo, já se formou uma indústria global de US$ 97 bilhões
Mas, de fato, qual impacto dos orgânicos em nossa saúde?
Alimentos orgânicos são realmente mais saudáveis?
Do ponto de vista dos valores nutricionais, alimentos orgânicos e não-orgânicos têm basicamente as mesmas propriedades – até o momento, este é o consenso na comunidade científica, embora algumas pesquisas já apontem vantagens para os orgânicos. Isso significa, por exemplo, que uma laranja orgânica tem a mesma quantidade de vitamina C que uma laranja produzida em agricultura convencional. No entanto, há aspectos nos quais os alimentos livres de pesticidas levam, comprovadamente, vantagem.
Um deles é o quesito sabor. “Um alimento orgânico tem mais sabor porque respeita o tempo de produção natural dele, não há um acelerador químico”, explica Mara Ligia Bachelli, diretora da faculdade de nutrição da PUC-Campinas. Veja o exemplo da alface: na produção tradicional, está pronta para o consumo em no máximo 45 dias, mas na produção orgânica, são até 7 dias a mais. “Assim, absorve mais sabor da terra”, afirma.
Em contrapartida, recomenda a professora Mara, o consumidor precisa estar ciente que frutas, legumes, raízes ou hortaliças orgânicas são, geralmente, mais “feios” que os não-orgânicos. “Muitas vezes, são alimentos que parecem deformados para nós. Na agricultura tradicional, são selecionados os mais bonitos para a venda e os demais são dispensados”, alerta. “É possível dizer que quanto mais feio o produto, menos defensivos agrícolas ele recebeu”.

Outro aspecto que conta pontos para os orgânicos é a presença muito maior de antioxidantes. De acordo com um levantamento realizado pela Universidade de Newcastle (Reino Unido) que analisou 343 estudos sobre alimentos, aqueles que não são produzidos com uso de produtos químicos têm entre 19% a 69% mais presença de antioxidantes do que os convencionais.
“No geral, os orgânicos tendem a apresentar teores mais elevados de antioxidantes“, disse Sônia Stertz, doutora em tecnologia de alimentos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em entrevista à revista Saúde. Isso ocorre por dois fatores: a colheita mais tardia e a ausência de defensivos agrícolas. “Nessa situação, as plantas ativam seu próprio mecanismo de defesa o tempo todo”, esclarece Sterz. Com isso, a produção de antioxidantes dispara.
O estudo publicado no British Journal of Nutrition afirma que comer uma fruta, um legume ou 100 gramas de determinado cereal de produção orgânica equivale a até duas ou três porções do mesmo alimento de produção convencional, do ponto de vista da ingestão de antioxidantes. Esta substância, em resumo, protege nossas células contra a oxidação, processo degenerativo de órgãos e tecidos.
Em outras palavras: consumir mais deste tipo de alimento pode, a longo prazo, reduzir o risco de doenças cardiovasculares (como infartos e AVCs), doenças neurodegenerativas, alguns tipos de câncer, diabetes, além de deixar cabelo e pele mais bonitos.
Alimentos orgânicos e o perigo das contaminações
O mesmo estudo da universidade britânica alertou para mais uma vantagem dos orgânicos: há muito menos risco de contaminação. A publicação científica mostra que alimentos convencionais têm níveis mais altos de metais pesados tóxicos. O cádmio, contaminante metálico que a Comissão Europeia restringe, foi encontrado quase 50% em maior quantidade nos produtos não-orgânicos.
No caso dos produtos de origem animal, como carnes, leites e ovos, o certificado de orgânico significa que além de os bichos se alimentarem de insumos e rações livres de pesticidas e serem criados em condições mais agradáveis (sem confinamento), também não há aplicação de antibióticos e hormônios. O consumo irrefletido de antibióticos é apontado por muitos cientistas – e pela própria Anvisa – como uma das razões para o surgimento das superbactérias.
Há ainda a contaminação direta em relação ao uso de defensivos agrícolas nos alimentos vegetais. Segundo a Anvisa, é proibida a liberação de agrotóxicos “os quais no Brasil não se disponha de métodos para desativação de seus componentes, de modo a impedir que os seus resíduos remanescentes provoquem riscos ao meio ambiente e à saúde pública”. Mas a própria entidade já se posicionou contra o projeto de lei que regula atualmente a liberação de pesticidas no país.

Para a professora Mara Bachelli, o risco real dos agrotóxicos só se apresenta quando o produtor não segue as normas indicadas pela agência sanitária. “Se o produtor colhe a fruta ou legume antes do fim do ciclo de ação do produto químico, o pesticida segue no alimento e sua ingestão pode causar intoxicação química”, explica. “Mas se o produtor fizer tudo certo, o pesticida, assim como um remédio, sai do corpo do vegetal e seu consumo é seguro. O mais importante é confiar em quem produz a sua comida”, concluiu.
Até o consumo descuidado de orgânicos também apresenta risco. Ao invés de produtos químicos, os agricultores usam compostos de fezes animal como fertilizantes e, assim como no caso dos agrotóxicos, se o tempo correto de compostagem não for respeitado há risco de contaminação microbiológica.
Agricultura orgânica: bom para o planeta e para o social
A produção orgânica não utiliza fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, reguladores de crescimento ou aditivos sintéticos para a alimentação animal. De acordo com as diretrizes do Sebrae para o setor, esta indústria se caracteriza pelo respeito à natureza, diversificação de culturas, reconhecimento do solo como um organismo vivo e independência dos sistemas de produção.

Em todo mundo, hoje, são pelo menos 3 3 milhões de produtores orgânicos distribuídos em uma área de plantio de aproximadamente 70 milhões de hectares. O Brasil contribui com mais de 15 mil propriedades certificadas – 75% pertencentes a agricultores familiares. Ainda é pouco.
Dados de 2016, quando o consumo era ainda menor, a oferta nacional de agrotóxicos já era inferior à demanda por este tipo de produto. A isso se soma o fato de que 70% desta produção é exportada para a Europa. Ou seja, há sinal verde para mais investimentos no setor.
“O mercado é pujante! O modelo produtivo emprega toda a família no negócio e desenvolve parte social”, relata Victor Rodrigues Ferreira, do Sebrae. “O produtor vê melhora também sua própria saúde. Quando pode abrir mão da aplicação de agrotóxicos, vê que seu corpo e sua propriedade sofrem menos”, completa.
Pesquisa realizada pela entidade aponta que a principal ponte entre a colheita e o prato na mesa é a venda direta ao consumidor (72% dos casos), seguida pelas compras em feiras de orgânicos (55%), mercados de pequeno porte (43%), supermercados (26%) e compras públicas (26%).
Entre os agricultores orgânicos, 72% plantam frutas, 64% hortaliças, 49% raízes, 24% produtos agroindustrializados e 17% trabalham com alimentos de origem animal. Todos produtos com alta demanda, mas, ainda assim, nem sempre são fáceis de encontrar em pontos de venda ou restaurantes. O motivo? Para 62% das empresas de alimentação são os preços altos.

“Primeiro, o consumidor é convencido a gastar mais preocupado com a saúde, mas, com o tempo, vai se envolvendo, percebe que sistema é mais sustentável e compra cada vez mais pelas questões sociais e ambientais”, explica Mayra Monteiro Viana, também do Sebrae.
Assim, ganham todos: meio ambiente, sociedade e nosso próprio corpo.
Conteúdo publicado em 29 de julho de 2019