2019Parece ficção científica, mas a ideia nasceu na Universidade Harvard e tem o apoio de 12 importantes cientistas de todo mundo, inclusive do físico brasileiro Paulo Artaxo. Alguns dos maiores especialistas em mudanças climáticas cogitam a hipótese de criar uma espécie de “guarda-sol gigante”, formado por gases e partículas cuidadosamente posicionados ao redor do globo, com o objetivo de minimizar os danos causados pelo aquecimento global.
A técnica é conhecida como geoengenharia solar e, em linhas gerais, consiste em injetar partículas de aerossóis na estratosfera para refletir parte da luz solar que chega à Terra. Segundo estimativas, os resultados podem vir rapidamente: as teses mais otimistas afirmam que o processo de aquecimento global pode ser impedido em dois anos e até revertido em 2°C. No entanto, os efeitos colaterais de sua aplicação ainda são desconhecidos.
O grupo internacional de cientistas por trás da ideia publicou um artigo na revista Nature defendendo que haja estudos para considerar a viabilidade do uso da técnica. “A geoengenharia solar está sendo discutida como uma maneira de esfriar o planeta rapidamente. É uma técnica estranha que usa tecnologias que evocam a ficção científica – jatos cobrindo a estratosfera com partículas bloqueadoras da luz do sol e frotas de navios pulverizando água do mar em nuvens baixas para torná-las mais brancas e brilhantes a fim de refletir a luz do sol”, afirmam.
“A técnica é controversa, e é natural que seja. No entanto, se abordagens como essa pudessem ser realizadas técnica e politicamente, elas poderiam retardar, parar ou mesmo reverter o aumento das temperaturas globais”, diz o texto dos pesquisadores.
Projeto iniciado em Harvard
Dentro da Universidade Harvard, um grupo de estudos que trabalha há quatro décadas com química ambiental e camada de ozônio liderou a criação do Stratospheric Controlled Perturbation Experiment (SCoPEx), ou “Experimento Controlado de Perturbação Estratosférica”, em tradução livre. O projeto está estimado em US$ 20 milhões – cerca de R$ 76 milhões – e deve ser lançado ainda no segundo semestre de 2018. O site oficial do projeto explica que não se trata de um teste de viabilidade, mas de um experimento que se propõe a simular os efeitos do guarda-sol gigante e avaliar a segurança de seu uso.
O SCoPEx vai mandar para a estratosfera, a 20 quilômetros da superfície terrestre, um balão científico de propulsão que permite aos cientistas criar um pequeno volume controlado de ar misturado com os gases e partículas a serem enviados. Este composto poderá ser observado por mais de 24 horas. Sensores instalados na nave serão capazes de medir as propriedades do ar modificado e enviá-los a computadores para a análise da equipe de Harvard.
Estão previstas duas baterias de experimentos até 2022 que envolvem água e partículas de carbonato de cálcio. Há também a possibilidade de novos experimentos com óxido de alumínio e até diamantes. “Este não é o único e nem o primeiro estudo acadêmico desse tipo, mas certamente é o maior e o mais abrangente”, disse Gernot Wagner, co-fundador do projeto, em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
Geoengenharia pode ser solução para países mais pobres
De acordo com o artigo publicado na Nature, as nações em desenvolvimento são as mais vulneráveis às mudanças climáticas, sobretudo aquelas localizadas no Sul do globo terrestre. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) prevê que a elevação do nível dos mares vai erodir regiões insulares, que o declínio da produção de alimentos será imediato em áreas da Ásia, que haverá estresse hídrico na África e que deve ocorrer grande perda de biodiversidade na América do Sul.
Os 12 signatários do texto, oriundos de países como Bangladesh, Brasil, China, Etiópia, Índia, Jamaica e Tailândia, convidam estas nações a promover discussões sobre a modelagem, a ética e a governança de projetos de geoengenharia solar.
“É muito cedo para saber quais seriam seus efeitos: poderia ser muito útil ou muito prejudicial. Os países em desenvolvimento são os que mais têm a ganhar – ou a perder. Na nossa opinião, eles devem manter sua soberania climática e desempenhar papel central na pesquisa e nas discussões em torno da geoengenharia solar”, afirmam, no artigo.
A organização não-governamental Solar Radiation Management Governance Initiative (SRMGI) criou um programa que financia projetos de pesquisa em até US$ 400 mil – cerca de R$ 1,5 milhão – para o desenvolvimento de geoengenharia solar em países em desenvolvimento.
Mas mesmo os principais defensores desta técnica enfatizam que qualquer tentativa de uma solução que passe pela geoengenharia deve ser vista como um complemento a uma agressiva política de redução de emissões – e não como um substituto.
“Isso [o guarda-sol gigante] só mascararia o efeito de aquecimento dos gases de efeito estufa. A acidificação oceânica ainda representaria uma ameaça à vida marinha se as emissões de dióxido de carbono não fossem reduzidas. O dióxido de enxofre pode atrasar a regeneração do ozônio na estratosfera. E quaisquer que fossem os aerossóis usados para filtrar a luz do sol, seriam necessárias mais pesquisas sobre seus impactos na saúde e no meio ambiente”, afirmam os cientistas.
Conteúdo publicado em 1 de setembro de 2018