Foram analisadas 62 espécies de mamíferos que mudaram até 68% suas rotinas por conta da presença humana; em São Paulo, sabiás começam a cantar de madrugada para evitar barulho do trânsito

A ação humana na Terra está afetando o comportamento dos animais de maneira mais importante do que se imaginava. De acordo com um estudo produzido pela Universidade Berkeley e publicado na revista Science, a simples presença do ser humano está levando outras espécies de mamíferos a mudarem seus hábitos de vida e se tornarem, predominantemente, noturnos.

O trabalho agrupou informações sobre o comportamento diário de 62 espécies de mamíferos nos seis continentes do planeta. O resultado foi a constatação de que nos locais onde há considerável grau de perturbação causada pela presença humana, estes animais têm 1,36 vez mais atividade noturna, em média. Ou seja, um animal que divide igualmente suas atividades diurnas e noturnas mudaria sua rotina para até 68% mais tempo acordado à noite.

“As perdas catastróficas em populações de animais selvagens e habitats como resultado da atividade humana estão bem documentadas, mas as maneiras mais sutis pelas quais afetamos o comportamento animal são mais difíceis de detectar e quantificar”, disse Kaitlyn Gaynor, principal autora do estudo, em declaração à Berkeley.

Os dados foram reunidos com diferentes métodos, entre eles câmeras disparadas remotamente, GPS e colares de rádio, além de observação direta. Para cada espécie em seu determinado local de estudo, os autores quantificaram a diferença na atividade noturna animal sob baixa e alta perturbação humana. Foram analisados mamíferos carnívoros e herbívoros com peso de pelo menos 1 quilo.

Por que animais mudam de hábitos?

De acordo com os autores do levantamento, já havia expectativa de encontrar mudanças de padrão de comportamento nos animais, mas houve surpresa com a consistência dos dados encontrados em todo o globo terrestre. A avaliação é de que os seres humanos são vistos por outros mamíferos como predadores – e isso independe da natureza da atividade humana, ou seja, se ela tem ou não impacto ambiental.

A análise das informações coletadas mostrou que o aumento da ação noturna destes animais está associada a diferentes atividades humanas, de caçadas e construção de estradas até plantações simples, passeios de mountain bike e caminhadas simples.

“Os animais responderam fortemente a todos os tipos de perturbação humana sugerindo que nossa [humana] simples presença é suficiente para interromper seus padrões naturais de comportamento”, explicou a autora do trabalho.

O coordenador da pesquisa e professor da Universidade Berkeley Justin Brashares apontou que há um fator positivo na mudança de padrão destes animais: se a vida selvagem é capaz de se adaptar para evitar a convivência direta com os humanos, este pode ser um sinal de que é possível todos coexistirem em um planeta cada vez mais lotado.

“No entanto, os padrões de atividade animal refletem milhões de anos de adaptação – é difícil acreditar que podemos simplesmente espremer a natureza na metade escura de cada dia e esperar que ela funcione e prospere”, ponderou Brashares.

Em São Paulo, sabiás começam a cantar de madrugada

Em 2001, o biólogo brasileiro Sandro Von Matter notou que os sabiás que vivem em São Paulo começam a cantar mais cedo do que em outras cidades do interior paulista. Em lugares mais tranquilos, os pássaros soltam a voz a partir das 6h da manhã, mas em determinados bairros da capital, há registros de cantos até entre 2h e 3h da madrugada.

Sabiá Laranjeira. Crédito: Dario Santos/WikiMedia

A curiosidade Von Matter se transformou no projeto Hora do Sabiá, que mapeou o comportamento da ave em grande parte do Brasil com a ajuda de 3.500 pessoas que colaboraram com a plataforma online.

Quase duas décadas depois de perceber o fenômeno, já é possível afirmar: não só em São Paulo, mas em todas as grandes cidades brasileiras o sabiá começa a cantar mais cedo. E o motivo é o intenso barulho provocado pelo trânsito. Portanto, para poder cumprir seu ritual de acasalamento, as aves buscam horários nos quais seu canto possa ser melhor ouvido.

“Alterações na fisiologia e comportamento de espécies animais que habitam as cidades, podem refletir pressões as quais os seres humanos estão também expostos”, afirma o biólogo. “Avaliar o impacto da urbanização sobre estas espécies é imprescindível, não apenas para a conservação da biodiversidade mas, também, para a manutenção do bem estar e qualidade de vida de todos nós”, conclui.

Conteúdo publicado em 15 de agosto de 2018

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