Nós, habitantes do planeta Terra, temos a falsa impressão de que a água é um recurso infinito. As vastas áreas azuis do globo nos passam essa impressão, mas ela é equivocada. Menos de 5% de toda a água disponível é própria para o consumo humano. Por isso, o uso de água potável para processos industriais e até para limpeza de casas é tão mal vista. Segundo a ONU, de todo o consumo que fazemos da água doce, 70% ainda vai para agricultura, em especial para a irrigação, 22% para a indústria e 8% para o uso doméstico.
Para assumir parte de suas responsabilidades com o meio ambiente no que diz respeito à água, as indústrias dos mais variados setores estão começando a virar o jogo com o reúso. Isso porque investir na água de reúso industrial representa não apenas uma forma de cuidar de um recurso que é essencial como matéria-prima e também em vários processos, mas também de reduzir custos.
A indústria precisa ter outorga — uma espécie de consentimento dos governos — para a captação de água e também para o lançamento de efluentes, isto é, o resíduo líquido resultante de processos industriais, de volta ao meio ambiente. Esse segundo processo é especialmente caro para as indústrias. Ao reaproveitar a água no processo, a empresa transforma o efluente, economiza dinheiro e faz sua parte no uso consciente do recurso.
Pesquisa recente feita pelo professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Ivanildo Hespanhol, com 2.311 indústrias paulistas de médio e grande porte, aponta que o custo conjunto diário de consumo de água, sem reúso, é de cerca de R$ 1 milhão. Hespanhol estima que, sem grandes investimentos, é possível reusar cerca de 60% do total de água consumida em uma empresa. Ou seja, o custo total dessas 2.311 empresas com água cairia para cerca de R$ 400 mil por dia. Hespanhol acredita que de 20% a 30% da indústria no Brasil pratica o reúso de alguma forma.
No Rio de Janeiro, a Lei 7599/17 determina que indústrias com mais de 100 funcionários situadas no estado instalem equipamentos de tratamento e reutilização de água. As indústrias que não cumprirem a determinação não poderão ser contratadas, firmar convênios ou instrumentos similares, ou receber benefícios ou incentivos do Estado do Rio de Janeiro. É claro que fabricantes de alimentos e bebidas, por exemplo, enfrentam restrições legais em relação à reciclagem: a água de reúso não pode entrar como insumo. Entretanto, para outros setores da indústria, em que a água é menos utilizada como matéria-prima e mais empregada em processos, a água de reúso é mais do que indicada. Com isso, fontes de água primárias são poupadas e deixam de ser utilizadas no abastecimento público ou em usos domésticos que não necessitam de água potável.
Mas o que é água de reúso?
O reúso ou a reciclagem de águas residuais tem origem na Grécia Antiga, onde o esgoto era tratado para irrigação. Em linhas gerais, a água de reúso é o efluente tratado após ser submetido a processos químicos, físicos e biológicos. O processo por completo consiste na reutilização da água anteriormente usada para outros fins — ou até para os mesmos fins.
O tratamento que a água receberá deve ser feito de acordo com a finalidade do seu uso — ou reúso. A aplicação de práticas de uso e reúso de água é feita mais especificamente nas áreas industriais e de irrigação, porém já existem iniciativas para o reúso doméstico em vários lugares do mundo. A longo prazo, devemos ver tecnologias sendo desenvolvidas para que ela assuma um lugar de destaque no consumo humano e dê uma folga para as nossas reservas naturais de água doce, potável, já tão esgotadas.
Em Tel Aviv, Israel, 100% da água é reutilizada para irrigação no deserto (a água tratada percorre 100 km de duto até chegar ao local) e para banhos e descargas nas residências. Na República da Namíbia, o esgoto doméstico é tratado somente para fins potáveis — com qualidade suficiente para se beber e preparar alimentos. Enquanto isso, os esgotos industriais são coletados e tratados separadamente para voltarem para as indústrias. No Japão, as indústrias só utilizam água de reúso, mas ela também é bastante utilizada para a irrigação urbana. No país, já existe o sistema de encanamento duplo, um para água de reúso e outro para água potável.

Além de aumentar a disponibilidade de água potável, a água de reúso também contribui com a redução do lançamento de esgoto na natureza. Em escala, trata-se de um caminho que contribuiria, de maneira importante, com a redução da poluição da água em locais cronicamente poluídos do Brasil, como o rio Pinheiros, na capital paulista, e na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Água de reúso direto e indireto
A prática do reúso reduz a demanda sobre os mananciais, uma vez que diminui a exigência de retirada de água de fontes naturais, e pode ocorrer de duas formas: direta e indireta.
No reúso direto, o tratamento da água é feito no próprio efluente que seria despejado no meio ambiente. No uso indireto a água é captada de um manancial já contaminado, num local um pouco mais abaixo (na jusante, também chamada de vazante da maré, baixa-mar), de onde foram lançados os efluentes. Ou seja, a água utilizada no tratamento para o reúso é captada depois de lançada nos rios.
Água de reúso é sinônimo de sustentabilidade
Diretor do Centro Internacional de Referência em reúso de Água e professor da USP, Ivanildo Hespanhol é autor de vários estudos que apontam para o potencial da água de reúso no Brasil e em várias instâncias: agricultura, indústria, municípios, recarga de aquíferos. Para ele, “o termo sustentabilidade é um conceito técnico/filosófico genérico que, se considerado independente de variáveis sistêmicas específicas, não pode ser expresso em termos quantitativos. Em um sistema de abastecimento de água, a sustentabilidade deve ser interpretada como a probabilidade de suprir, permanentemente, demandas crescentes, em condições satisfatórias”.
A água de reúso pode ter vários níveis de qualidade mas, no geral, aquela que se origina da reciclagem de efluentes e é utilizada na indústria possui uma qualidade inferior se comparada à potável, e por isso não é usada diretamente para o consumo. Esse, aliás, é um dos problemas para a ampla adoção da água de reúso no Brasil: não existe legislação que estabeleça as diferentes qualidades da água de reúso e seus usos mais indicados.
No entanto, ela pode ser amplamente utilizada na geração de energia, refrigeração de equipamentos, lavagem de carros, irrigação de campos para cultivo, combate a incêndios, limpeza de ruas e irrigação de jardins. Todas essas atividades não precisam de água potável. A reutilização da água promove o uso sustentável de recursos hídricos, diminui a quantidade de esgoto lançada, além de aumentar a disponibilidade de água potável.
Na opinião do especialista, até hoje adotamos um sistema que é pré-histórico e irracional, resolvendo precariamente o problema de abastecimento de água em uma região, em detrimento daquela que a fornece. “A cultura de importar água de bacias cada vez mais distantes para satisfazer o crescimento da demanda remonta há mais de dois mil anos”, ensina Hespanhol. Os romanos, que praticavam uso intensivo de água para o abastecimento das casas e de suas termas, captavam água de mananciais disponíveis nas proximidades. À medida que estes se tornavam poluídos pelos esgotos ou se tornavam insuficientes, os romanos iam em busca da segunda fonte mais próxima e assim por diante.
Foi essa prática que deu origem à construção dos grandes aquedutos romanos, dos quais existem, ainda, algumas ruínas, em diversas partes do mundo. Esse sistema na sociedade atual, porém, já deveria ter sido substituído.
O que você pode fazer?
Todas as indústrias, empresas de construção civil, prefeituras, comércio e transportadoras podem comprar água de reúso se ela estiver disponível na região. Procure a companhia de abastecimento da sua cidade e se informe. Em casa, você pode criar um sistema de captação da chuva, outra forma de economizar água e dinheiro.
Conteúdo publicado em 14 de março de 2018