Os gastos com combustível pesam no bolso de qualquer um. As filas que se formam em postos de gasolina pouco antes de uma nova alta dão uma medida do quanto essa despesa impacta no orçamento. Não à toa, quando uma novidade promete economia nessa área, ela chama atenção.
E é isso que prometem os kits de eletrólise para carros. A tecnologia por trás dessa tecnologia não é exatamente nova. O sistema funciona produzindo hidrogênio a partir de água e injetando esse gás no motor o que, segundo quem vende o kit, reduziria o consumo de combustível em 40% ou 60%. Mas a aplicação é mais do que polêmica e é vista com desconfiança por especialistas e empresas.
De acordo com reportagem publicada pela revista Galileu, estima-se que em todo país já existam, pelo menos, 5 mil pontos de instalação do sistema que promete melhorar a eficiência e a autonomia dos veículos. Os kits custam de R$ 600 – para veículos 1.0 – e podem chegar a R$ 4 mil, no caso de caminhonetes de grande porte.
Os equipamentos, contudo, não têm norma técnica estabelecida e são desregulamentados.
O kit completo pesa quase dois quilos e tem como missão quebrar a molécula de água (H2O) para obter moléculas puras de hidrogênio, em formato gás. Este gás é mantido em alta temperatura e enviado ao motor, onde acelera a queima do combustível – promovendo, segundo seus entusiastas, economia no consumo da gasolina.
Para funcionar, é preciso despejar água destilada no reservatório (uma garrafa de 5 litros custa cerca de R$ 10) somada a alguns gramas de potássio. Juntos, eles são os responsáveis por promover a eletrólise, ou seja, a separação dos átomos de hidrogênio dos átomos de oxigênio presentes na água.
Técnica existe há 100 anos – e não é unanimidade
A primeira patente de equipamento capaz de gerar energia a partir da água data de 1918 e foi desenvolvida pelo norte-americano Charles Frazer. O HydroOxy Generator nasceu para cumprir o objetivo de aumentar a eficiência na combustão de hidrocarbonetos voláteis e, consequentemente, tornar suas emissões mais limpas.
Mas mesmo depois de um século, a tecnologia não se desenvolveu de forma satisfatória. Em comunicado para o jornal Estado de Minas, a General Motors afirma que a ideia tem um problema original de conceito.
“Independentemente do gás que se adicione, o gás queima oxigênio. Motores com solução que utilizam gás com maior eficiência precisam de um suplemento como turbo para aumentar a quantidade de ar dentro da câmara. Na forma proposta pelos kits, o hidrogênio queimado ocupa um volume antes destinado ao ar. O motor perde performance. Não há queima de hidrogênio. O hidrogênio entra numa reação oposta, misturando-se com o oxigênio no ar. O resultado disso é a liberação de água no escape”, sustenta a GM.

Em depoimento à revista Galileu, Edson Orikassa, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) deu opinião semelhante à da GM. “É estranho que um kit tão reduzido possa gerar tanta energia que separe a molécula da água a ponto de ser utilizada na combustão do motor. Vai mais vapor de água para o motor que hidrogênio”, disse. A conclusão é de que a indústria não adota o método porque o gasto de energia necessário para liberar o hidrogênio da água é muito alto.
Além disso, alguns especialistas indicam que o sistema pode gerar riscos ao consumidor. O professor Sebastião Alberto de Oliveira, da Universidade de Brasília, relatou ao Estado de Minas que, após instalar o equipamento em sua pick-up, ele viu o veículo melhorar o consumo de 11 km/l para 20 km/l, mas sofreu com uma explosão no sistema após quatro anos de uso. “O composto salino pode prejudicar o motor do carro, além de haver risco de explosão”, afirmou a pesquisadora Monique Santos, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da USP.
Hidrogênio pode, sim, virar combustível
Contudo, outra tecnologia de princípios parecidos poderá, enfim, produzir energia a partir da água em larga escala. Há interesse da indústria e da academia de usar o método de células de combustível de hidrogênio. Trata-se de uma alternativa ao abastecimento dos veículos elétricos na rede elétrica – o próprio hidrogênio se torna o combustível.
O relatório Automotive Fuel Cell Market – Global Forecast to 2025, produzido pela consultoria Research and Markets, estima que já em 2018 serão produzidos 7,8 mil veículos com esta tecnologia. Até 2025, o número deve chegar a 269 mil.
Conteúdo publicado em 27 de agosto de 2018