No futuro, as roupas vão mudar de cor e temperatura, funcionarão como tela de smartphone e poderão até gerar energia elétrica - tudo com foco na sustentabilidade

Você está pedalando pela cidade com fones de ouvido que tocam suas músicas favoritas, além de orientações de trajeto de um sistema GPS. Você então recebe uma notificação sonora: chegou uma mensagem de texto. Um simples toque na manga da jaqueta faz disparar a leitura eletrônica do conteúdo. Depois de ouvi-la, mais um toque na manga faz aumentar o volume da trilha sonora que te acompanha no passeio ciclístico. O roteiro pode parecer coisa de um futuro distante, mas situações como essa já são realidade.

Graças a uma nova tecnologia de tecido interativo, não é preciso sequer um smartphone ou um smartwatch para receber mensagens e ouvir músicas enquanto se está em movimento. O dispositivo inteligente é a própria jaqueta. O produto, inclusive, já está à venda nos Estados Unidos por US$ 350 (cerca de R$ 1,3 mil). A Jacquard jacket é resultado de um projeto conjunto do Google com a marca de roupas Levi’s e vem sendo aprimorada desde 2014.

A trama inteligente não é uma exclusividade da Levi’s. Designers espalhados pelo mundo já trabalham com tecidos que, além de ecologicamente corretos, mudam de cor, regulam temperatura e até funcionam como “touchscreen”.  Estima-se que, até 2024, a indústria dos tecidos inteligentes atinja os US$ 9,3 bilhões anuais, quase R$ 35 bilhões, em receita.

Hoje, esse mercado em formação é composto, principalmente, pelos chamados tecidos inteligentes passivos, ou seja, tecidos equipados com sensores capazes de registrar informações do ambiente, mas não de reagir a essas informações. Isso significa que o tecido consegue medir temperatura, pressão, velocidade e mudanças na iluminação, por exemplo, mas não têm funções interativas.

Não tardará, porém, para que os tecidos inteligentes ativos – ou seja, com funções interativas – se tornam mais acessíveis. Além dos sensores, esses materiais carregam ativadores pré-programados que entram em ação diante determinadas situações. Um exemplo é a reação térmica: ao entender que o ambiente está muito quente, o tecido pode ativar termorreguladores que usam os fios da trama para dissipar calor e produzir a temperatura ideal ao usuário.

Conheça alguns exemplos de tecidos inteligentes e futurísticos. Alguns funcionam como tela touchscreen e scanner biológico, outros produzem energia renovável, há ainda os que protegem do frio polar e até os que permitem que se produza uma trama, autonomamente, a partir de bactérias. Confira.

Roupas mudam de cor, viram tela e até scanner biológico

Em parceria com o Google, um grupo de pesquisadores da Universidade de Berkeley criou um tipo especial de fio capaz de mudar de cor e que, quando costurado como tecido, emula uma tela de computador. O Ebb, como o material é chamado, pode funcionar como suporte tecnológico para seus usuários e desempenhar funções tão variadas quanto as de uma tela de smartphone.

Segundo os desenvolvedores da novidade, ele pode, por exemplo, ser customizado para mudar de cor de acordo com as variações de humor do usuário, exibir informações sobre itinerários de ônibus em tempo real e até se vincular a contas em redes sociais, como o Facebook e o Tinder. Quando o usuário recebe um like no Facebook ou dá match com alguém no Tinder, a cor do tecido muda para informá-lo disso.

Já é possível usar roupas que possuem inteligência passiva e funcionam quase como um scanner biológico. As peças produzidas pela Sensoria para atividades físicas, por exemplo, registram e transmitem para um smartphone informações como frequência cardíaca, ritmo de caminhada (“pace”), contato do pé com o chão, calorias gastas e distância percorrida. E o melhor de tudo é que a solução é acessível: os modelos custam a partir de US$ 49 (R$ 182).

Roupa inteligente. Crédito: Divulgação/Sensoria

Tecnologia semelhante é empregada pela marca Skiin, que foca na fabricação de roupas íntimas. Cada cueca, calcinha ou sutiã é equipada com um aparelho que não só registra ciclos de sono, frequência de respiração e batimentos cardíacos, como se conecta à rede Wi-Fi e, em casas inteligentes, pode ajustar a temperatura do termostato a partir da temperatura corporal do usuário e até tocar músicas que acalmam quando os sensores indicam estresse. Cada uma sai por US$ 300 (cerca de R$ 1.110) – e precisa ter suas baterias recarregadas a cada seis dias.

A moda que produz energia renovável

Todo organismo vivo produz energia para se manter em funcionamento, mas este potencial energético nem sempre é totalmente aproveitado – parte se perde para o ambiente. Uma das propostas mais revolucionárias para os tecidos do futuro, hoje em desenvolvimento em laboratórios norte-americanos e chineses, propõe aproveitar essa energia. A ideia é produzir um tecido capaz de converter a energia gerada pelos movimentos de seus usuários em energia elétrica. Simultaneamente, superfícies fotovoltaicas nesses mesmos tecidos complementariam essa produção com energia solar. O usuário poderia, então, usar essa força para carregar baterias de celular e outros dispositivos.

A inovação é baseada em uma tecnologia chamada TENG (triboelectric nanogenerator), que entrelaça fibras de roupa com células fotovoltaicas, nanogeradores e supercapacitores manipulados em nível nanométrico. De acordo com artigo publicado na revista científica Sciences Advances pelas equipes do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA) e do Instituto de Nanoenergia e Nanosistemas de Pequim (China), os TENGs funcionam graças à indução eletrostática e ao efeito triboelétrico – quando materiais se tornam eletricamente carregados depois do contato com a superfície de outro material.

“Como todos os componentes do nosso novo sistema têm a forma de fibras, eles podem ser facilmente confeccionados como tecidos eletrônicos para fazer roupas inteligentes com capacidade para a condução”, afirmou o professor Zhong Lin Wang em entrevista ao Climate News Network. “Também estamos analisando a durabilidade da estrutura e esperamos torná-la lavável em breve”, relatou.

Calor e segurança no frio Antártico

Milhões de trabalhadores pelo mundo exercem suas funções em condições extremas. Uma delas é o frio, que chega a exigir o uso de uniformes que pesam até dez quilos. Nesses casos, aumentam os riscos gerais à saúde, em especial para lesões. Atenta a isso, a empresa norte-americana Qoowear desenvolveu um uniforme inteligente que dá conta das necessidades de pesquisadores na Antártida e no Ártico e de trabalhadores expostos a intempéries semelhantes nos setores de petróleo e gás, de transporte marítimo, de mineração e de construção.

A roupa da Qoowear usa inteligência artificial para identificar, em tempo real, os pontos mais frios do corpo usando o calor do sangue como vetor térmico. Com essa informação, a roupa ativa placas que se aquecem em lugares estratégicos do corpo, como o tórax, abdômen e coxa, que estabilizam a temperatura, impedindo que o trabalhador ou pesquisador passe frio e deixe de cumprir suas funções.

A nova matéria-prima: bactérias

Tecidos inteligentes também usam biotecnologia. A designer de moda, empreendedora e pesquisadora americana Suzanne Lee, por exemplo, aposta nos materiais microbianos como o futuro do setor em médio e longo prazo. Esses materiais microbianos nada mais são do que tecidos produzidos a partir da ação das bactérias.

Funciona assim: quando se alimentam e geram energia para viver, algumas espécies de bactérias produzem cadeias de moléculas que podem ser usados para confeccionar tecidos. Na visão da empreendedora, esse processo permitirá que os consumidores cultivem suas próprias roupas em casa ou em pequenas ‘fábricas’ locais.

O trabalho de Lee resultou na consultoria BioCouture e no encontro anual BioFabricate, que une especialistas de design, biologia e tecnologia. Além disso, ela desenvolve na empresa Modern Meadow diferentes tipos de materiais biofabricados com o trabalho de organismos microscópicos, de modo que se possa substituir completamente materiais de origem animal, como o couro.

Tecidos do futuro são, também, sustentáveis

Tecidos inteligentes não são apenas os que usam sensores para regular temperatura ou que exibem notificações de um smartphone. Muitas vezes, a tecnologia está nas soluções para sustentabilidade da trama. O músico Pharrell Williams, famoso pelo hit “Happy”, investiu nesse filão e abriu a empresa Bionic Yarm, cujo objetivo é transformar plástico em matéria-prima de um novo produto que possa ser manipulado para produzir roupas, mochilas e até velas e barco.

Até agora, a companhia já conseguiu aproveitar mais de 7 milhões de garrafas retiradas do oceano e fechou parceria com a famosa marca holandesa G-Star RAW.

Jaqueta inteligente. Crédito: Divulgação/Jacquard

Segundo Tyson Toussant, cofundador da empresa, a estratégia é usar a beleza e a qualidade “cool” das roupas da Bionic Yarm como “cavalo de Troia” para levar conscientização ambiental às massas. “A tecelagem do plástico do oceano em denim é uma maneira clandestina de fazer com que os consumidores assumam alguma responsabilidade ambiental sem sacrificar o estilo”, afirmou Toussant em entrevista à revista Wired.

Hoje, embora todo tipo de plástico seja reutilizável e reciclável, apenas 9% do material produzido no mundo é, de fato reciclado. Um dos destinos do plástico que não é reaproveitado é o oceano – em 2015, entre 4,8 toneladas e 12,7 toneladas tiveram esse fim, segundo estudo conjunto das Universidades da Georgia e de Halifax. Nesse sentido, reusar o material para fazer roupas é um passo no caminho certo.

Conteúdo publicado em 5 de julho de 2018

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