Pela primeira vez, um país autoriza oficialmente que cientistas promovam o desenvolvimento de seres meio humanos e meio animais a partir de células-tronco. A revista científica Nature anunciou que o Japão deu sinal verde para Hiromitsu Nakauchi, que lidera grupos de pesquisa nas universidades de Tóquio (Japão) e Stanford (EUA), avançar em suas pesquisas neste campo.
Esse tipo de pesquisa científica tem como objetivo gerar animais híbridos com células, tecidos e órgãos específicos humanos – estes seres são chamados de quimeras, em referência aos seres da mitologia grega. A ideia é que estes órgãos humanos desenvolvidos dentro destas quimeras sejam compatíveis com pacientes de doenças que necessitam transplante.
Desde 2010, quando apresentou seu primeiro trabalho de quimeras entre ratos e camundongos, Nakauchi é referência neste campo de pesquisa. Com a permissão do Ministério da Ciência japonês para avançar com a gestação de uma quimera por mais de 14 dias, ele poderá dar um passo adiante e tentar criar um pâncreas humano no organismo de um mamífero roedor. Mas o desafio não é nada fácil.
“Até agora, as células humanas não sobreviveram em embriões de animais. No entanto, o objetivo de nossa pesquisa é fazer com que células humanas sobrevivam e contribuam para a formação de quimeras”, explicou em depoimento à Nature.
Seus primeiros experimentos tentaram cruzar células de ovelhas e de humanos, mas o resultado foi insatisfatório e os órgãos sequer se formaram.
“Não faz sentido levar a termo embriões híbridos humano-animal usando espécies evolutivamente distantes, como porcos e ovelhas, porque as células humanas serão eliminadas dos embriões hospedeiros no início”, criticou Jun Wu,cientista da Universidade do Texas (EUA), também para a Nature.
Conflito ético para a formação das quimeras
O limite de 14 dias de gestação de uma quimera não é um prazo qualquer: trata-se da data limite definida pela comunidade científica para o surgimento do sistema nervoso central humano. Ou seja, qualquer embrião cuja gestação for interrompida até 14 dias não desenvolveu ainda células cerebrais humanas.
A preocupação de muito bioeticistas é de que as quimeras não desenvolvam apenas o órgão-algo humano (por exemplo, o pâncreas), mas que as células humanas se espalhem pelo corpo, sobretudo no cérebro. O problema ético, apontam, é ainda maior: um animal com cérebro meio humano teria consciência? Este ser seria, em algum nível, humano?
Por enquanto, Nakauchi afirma que não pretende avançar a gestação de híbridos ratos-humanos por mais de 15,5 dias. Mas, diz, planeja em breve solicitar a aprovação do governo para cultivar embriões porcos-humanos por até 70 dias.
Homem-macaco já existe, segundo cientista espanhol
Em um laboratório da China (país que não aprova e nem proíbe este tipo de pesquisa), o cientista Juan Carlos Izpisúa e sua equipe conseguiram criar pela primeira vez uma quimera homem-macaco, informa o jornal espanhol El País.
O processo foi semelhante ao do pesquisador japonês. Izpisúa modificou geneticamente os embriões de macaco e injetou células-tronco humanas capazes de gerar qualquer tipo de tecido no organismo do primata. Neste trabalho, o espanhol interrompeu a gestação antes do nascimento do macaco.
A equipe espanhola afirma ter conseguido dar um passo a mais neste tipo de tecnologia: foi habilitado um mecanismo biológico que autodestrói as células humanas caso elas migrem para fora do órgão-alvo.
Conteúdo publicado em 18 de setembro de 2019