Difícil encontrar um smartphone que não tenha instalado aplicativos de transporte. Seja solicitação de viagem sob medida, carona coletiva, aluguel de bicicletas ou até uso compartilhado de carros, contratar este tipo de serviço faz parte do dia a dia de moradores das grandes cidades.
Apenas na cidade de São Paulo, o mais famoso destes aplicativos, o Uber, tem à disposição 150 mil motoristas diariamente para atender passageiros. No Brasil inteiro, são aproximadamente 500 mil motoristas e mais de 20 milhões clientes brasileiros cadastrados.
“O serviço dos motoristas parceiros da Uber tem sido considerado uma alternativa ao carro próprio, que, em média, fica parado 94% do tempo”, afirmou Guilherme Telles, diretor-geral da Uber no Brasil, à Folha de S. Paulo.
Não é à toa que a capital paulista é a cidade que mais usa o serviço entre os 65 países onde o Uber atua – além de contar com diversos outros aplicativos similares, como Cabify, 99, LadyDriver etc. São 12 milhões de habitantes (21,5 milhões, se considerada toda a região metropolitana) que somam todos os dias, considerando todos os tipos de transporte, mais de 43 milhões de viagens, 46% delas motivadas pelo trabalho e 30 milhões delas são realizadas por veículos privados.
O resultado disso, os paulistanos sofrem diariamente: os congestionamentos fazem do tempo de deslocamento médio 1,5 hora e resultam em perda de produtividade equivalente a 7,8% do PIB metropolitano. O impacto neste cenário, da crescente onda de compartilhamento de veículos, ainda é incerto.
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Congestionamentos: aplicativos aumentam ou diminuem o trânsito?
Até o momento, as maiores evidências são de que o uso cada vez mais recorrente de carros compartilhados piora o trânsito das grandes cidades. Um estudo realizado nos Estados Unidos pela consultoria Schaller concluiu que para cada 1 km que os veículos de aplicativo tiram das ruas, eles acrescentam 2,6 km, ou seja, o aumento no fluxo de carros cresce 160% – considerando tanto viagens individuais quanto compartilhadas.
A mesma pesquisa mostra que entre 2016 e 2017, o número de usuários de aplicativos de transportes cresceu 37% nas cidades americanas, chegando ao impressionante número de 2,6 bilhões de passageiros naquele ano. As grandes cidades são as que mais usam o serviço: 70% do total de viagens ocorrem Boston, Chicago, Los Angeles, Miami, Nova York, Filadélfia, São Francisco, Seattle e Washington DC.

A conclusão do autor do estudo, Bruce Schaller, é de que muito em breve haverá menos pessoas no transporte público do que em veículos compartilhados. E, portanto, mais congestionamentos.
Propor um planejamento urbano adequado e que busque garantir mobilidade e bem estar à população é obrigação do Estado. E para evitar o descontrole no trânsito, uma alternativa de pouco apelo popular pode ser a solução: aplicação de impostos e taxas. É o que afirma em artigo Guillermo Petzhold, especialista de mobilidade urbana da WRI Brasil.
Petzhold cita a legislação paulistana, a primeira do tipo no Brasil, como um exemplo: aplica as taxas de acordo não apenas com os quilômetros rodados, mas com fatores mais amplos, como equidade de gênero, potência motora (motores híbridos ou elétricos) e horário de serviço (fora da hora de pico a taxa é menor).
“Novos impostos e taxas não devem apenas elevar a arrecadação. Podem fazer mais do que isso: tornar as cidades mais habitáveis e os transportes mais sustentáveis. Essa receita deve ser usada com atenção, de maneiras que propiciem a melhora da mobilidade urbana como um todo”, explica. Ele cita a melhoria das condições de segurança viária, a construção de ciclovias e a qualificação ou ampliação os espaços destinados aos pedestres como possíveis medidas para melhorar o transporte urbano.
Carros compartilhados “chegam até a quebrada”
A área de cobertura dos aplicativos de transporte tem pontos cegos. Boa parte das grandes cidades fica de fora, sobretudo as regiões mais afastadas e as periferias. A justificativa é de que há pouca demanda e que são zonas de difícil acesso. A realidade, contudo, mostra que, com pequenos ajustes, o modelo de negócio pode funcionar também nessas regiões.
É isso que prova a JaUbra, empresa que hoje opera como uma startup no coração do bairro periférico paulistano da Brasilândia, na zona norte. Em 2016, Alvimar da Silva começou a fazer corridas na região em esquema inspirado no funcionamento dos aplicativos, mas com algumas peculiaridades. Ele recebia ligações ou mensagens no WhatsApp para viagens que chegavam ou saíam de lá e cobrava um valor com taxa variável de tempo e distância – atualmente, cada 1 km sai por R$ 1,8 e um minuto fica em R$ 0,80.

Quando sua filha, Aline Landim, pediu demissão de um emprego seguro para embarcar no empreendimento, Alvimar tocava o negócio apenas com um celular e um notebook. Agora, a estrutura já é bem maior – um aplicativo para smartphones está prestes a ser lançado. E a operação também: são cerca de 4 mil viagens por mês e mais de 20 mil usuários cadastrados, além de 80 motoristas em atividade (e mais 400 na lista de espera).
O negócio se mostrou positivo para todos os envolvidos. Os motoristas podem trabalhar em seu próprio bairro sem enfrentar trajetos muito longos, trânsito carregado e dias de rodízio veicular. E, às vezes, ganham até mais que em outras empresas – o sistema tem taxa de 15%, a mais rentável entre os principais aplicativos. E os moradores têm um serviço eficiente e que cumpre brechas que nem mesmo o sistema público dá conta: leva idosos para consultas médicas e transporta jovens que se divertem na madrugada em lugares onde falta até ônibus e vans.
“Depois de mais de dois anos de trabalho, notamos melhora da auto estima dos moradores. Agora, há um serviço que atende a todos, a jovens, a idosos, àqueles que moram em ruas de barro ou em vielas… O motorista sempre já um jeito”, explica Aline. “Recebemos propostas de parcerias de comerciantes, oficinas, lojas, lava-rápidos do bairro. É uma forma de fomentar a economia local”, conclui.
Por enquanto, a JaUbra atende por uma central telefônica e por WhatsApp – inclusive com a opção de envio de áudio, solução para atender a clientes da terceira idade. E a área de atuação da empresa tem como foco a Brasilândia e os bairros vizinhos, como Freguesia do Ó e o Bairro do Limão – “é importante ser da área porque motoristas conhecem as ruas, moradores respeitam e há confiança mútua”, afirma Aline. A forma de pagamento é um exemplo: 90% das viagens são pagas em dinheiro vivo e, quando o cliente só tem cartão sempre se dá um jeito – podem pagar em postos de combustível ou negociam fiado.
“Quando o empreendimento começou, não tínhamos noção do impacto no bairro. Quando descobrimos que somos uma startup, percebemos o lado social: geração de emprego e renda e oferta de um serviço importantes para a comunidade”, conclui a empresária.
Como veículos compartilhados podem ajudar o transporte urbano?
A marcha do crescimento do setor não anda para trás: hoje, o mercado do transporte compartilhado é avaliado em 61,3 bilhões e deve chegar, em 2025, a até US$ 218 bilhões. E pode gerar insumos para uma revolução no sistema de transportes urbanos.

Além de carros, há outro veículo que faz muito sucesso nesta estrutura compartilhável: a bicicleta. As principais empresas do setor, Yellow e Grin, juntas, já somam mais de 135 mil patinetes e bikes disponíveis em sete países, realizaram 2,7 milhões de viagens apenas nos últimos seis meses. A estrutura oferecida pelo serviço permite aos usuários tomar e devolver bikes (ou patinetes elétricos) em diversos pontos das grandes cidades.
Substituir automóvel por bike tem três impactos diretos: na saúde, na poluição e no bolso. Tendo São Paulo como base, o projeto Economia da Bicicleta informa que pedalar 1 hora gera benefícios à saúde inversamente proporcionais aos malefícios da exposição à poluição por 7 horas e que a expectativa de vida na cidade é derrubada em 3,5 anos por causa da poluição do ar. A Yellow divulga que, em dez meses de operação no Brasil, seus usuários já queimaram meio milhão de calorias.
Na questão ambiental, considerando dados do Brasil inteiro, o levantamento aponta que os 8,32 milhões de ciclistas brasileiros evitam 17 milhões de toneladas/ano de CO² anualmente, além de cerca de 1 milhão de ton/ano de óxido nítrico e 350 mil ton/ano de monóxido de carbono.
E a economia financeira não é nada desprezível: em uma família na qual duas pessoas trocam veículos motorizados por bicicletas, o orçamento anual ganha um respiro de R$ 12.800,00. Para a Associação Brasileira dos Planejadores Financeiros, a diferença é ainda maior: estima-se que o custo anual de um carro seja de R$ 20,5 mil, diante de um custo anual de R$ 1 mil com aplicativos de bicicletas móveis e de R$ 2,8 mil com bicicletas mais transporte público.
“O total das nossas corridas costuma ser até dez vezes maior nas regiões próximas a estações de trem, metrô ou ônibus que nas demais áreas da cidade”, informa a assessoria da Grow, que mantém os serviços Yellow e Grin. “O objetivo é revolucionar o transporte por meio da disponibilização de alternativas de transporte, principalmente para as chamadas ‘primeira e última milha’ das viagens urbanas”, conclui.

O serviço de compartilhamento de bicicletas pode colaborar para uma mobilidade urbana mais inteligente também com o compartilhamento de dados de seus usuários. As informações disponibilizadas pelos aplicativos de transporte que podem colaborar com a formulação de políticas públicas mais eficientes. “Algumas vezes, é difícil justificar ciclovias quando envolvem a retirada de vagas de estacionamento. Dados que revelem as rotas utilizadas por ciclistas apoiariam estas políticas”, escreveu Guillermo Petzhold em artigo.
Alguns municípios brasileiros já têm regulamentações que requerem dos aplicativos dados de rotas e comportamento de mobilidade de seus cidadãos. Trata-se de uma tendência mundial com um objetivo: converter tecnologia em inteligência para o transporte urbano.
Conteúdo publicado em 1 de julho de 2019