Com investimento baixo, já é possível produzir praticamente toda energia que uma residência precisa com módulos solares. Entenda como funciona uma rede de eletricidade solar autônoma

Viver em uma casa com 100% de energia limpa e renovável, em breve, não será apenas um sonho de ambientalistas preocupados com o futuro do planeta. A transição entre um modelo de fornecimento de energia elétrica tradicional, em rede e baseada em grandes usinas geradoras, já é uma realidade em algumas partes do mundo. E o melhor: além de ecologicamente correta, a solução pode ser mais barata e pode garantir a seus moradores energia mesmo diante de crises de desabastecimento.

Se você mora em alguma grande cidade brasileira, como São Paulo, por exemplo, poderá perceber as vantagens econômicas de ter autonomia energética em sua casa desde o primeiro momento. No caso de um sobrado no qual vivem quatro pessoas, instalar um sistema de energia solar fotovoltaica custa cerca de R$ 15 mil. O impacto na conta de luz é imediato: estima-se que, já no primeiro mês, a redução chegue a 90%. Assim, em sete anos, o investimento inicial estaria pago. E o equipamento apresenta vida útil de, no mínimo, 25 anos. Depois de 25 anos, a capacidade de produção dos painéis, em função do tempo de uso, cai para cerca de 80% do total.

“Não é uma tecnologia cara, seus valores são competitivos”, afirma Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). “De 2010 para cá, o custo da energia solar fotovoltaica se tornou 83% mais barata. Enquanto isso, a conta do fornecimento de energia elétrica subiu acima da inflação. Hoje, gerar energia renovável já é mais barato do que comprar”, complementa.

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California: energia da quinta economia do mundo será 100% limpa

A Califórnia assumiu dois compromissos sustentáveis ambiciosos em 2018. Até 2045, toda eletricidade consumida no estado norte-americano deverá ser proveniente de fontes não emissoras de gases de efeito estufa, sobretudo de matrizes sustentáveis, como a solar e a eólica – no ano anterior, o Havaí havia feito a mesma promessa. A curto prazo, já a partir de 2020, todas novas casas e edifícios que tenham três andares ou mais deverão, obrigatoriamente, ter módulos de energia solar instalados em seus telhados.

O pacote de medidas para geração de energia verde na ensolarada Califórnia recebeu o endosso de políticos e artistas como o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore (Democrata), o ex-governador do estado Arnold Schwarzenegger (Republicano), e os atores Leonardo DiCaprio e Chris Hemsworth, entre outros. “Temos que liderar e mostrar o que pode ser feito. Se conseguirmos 100% de energia renovável, outros estados também podem”, disse o congressista Bill Quirk (Democrata) durante o evento de assinatura das leis, sancionadas pelo governador Jerry Brown (Democrata).

A decisão arrojada dos dirigentes californianos deve inspirar outros estados e países. A Califórnia é a quinta maior economia do planeta e a transição de energias mistas (de predominância em combustíveis fósseis) para energia solar nas casas a partir de 2020 deve reduzir a geração de gases de efeito estufa em 53% – o equivalente a 700 mil toneladas ou 115 mil menos carros movidos a combustível fóssil nas ruas.

Energia produzida em casa. Crédito: Riccardo Annandale/Unsplash

Além da instalação dos sistemas solares fotovoltaicos, é exigido das novas casas um elevado padrão de eficiência energética. Entre os elementos listados na lei californiana estão uso de material e técnicas de construção que promovam isolamento térmico, iluminação que aproveite a luz natural e que use ao máximo a tecnologia LED, além de sistemas de otimização de ventilação de ar. De acordo com a Comissão de Energia (CE) do estado, o custo de uma casa de tamanho médio irá subir US$ 9,5 mil, mas a economia prevista é de US$ 19 mil em 30 anos. Quem paga hipoteca terá acréscimo de US$ 40 mensais enquanto o desconto na conta de energia elétrica será de US$ 80, em média.

“Com essa adoção, a Comissão de Energia da Califórnia alcançou um equilíbrio justo entre a redução das emissões de gases do efeito estufa e, ao mesmo tempo, limitou os custos de construção”, afirmou Dan Dunmoyer, CEO da Associação da Construção Civil do estado. “Sob esses novos padrões, os edifícios terão um desempenho melhor do que nunca, ao mesmo tempo em que contribuem para uma rede confiável”, completou Andrew McAllister, emissário da CE.

Minha casa, minha usina de energia

Não é à toa que a Califórnia é conhecida como o estado ensolarado (“sunny state”). A incidência do Sol por lá é tanta que, de acordo com a Comissão de Energia, casas que instalarem sensores de alta tecnologia podem até gerar mais energia do que consomem. O próprio estado da Califórnia como um todo, às vezes, gera tanta energia solar e eólica que ou interrompe a produção ou vende eletricidade para estados vizinhos para evitar a sobrecarga da rede.

O cenário que se desenha é o seguinte: ao invés de consumidor, o cidadão médio californiano poderá se tornar fornecedor de energia – e ganhar por isso. “Esta é uma expansão de mercado muito grande para a energia solar”, explicou Lynn Jurich, fundador da empresa de instalação solar Sunrun, em entrevista ao New York Times. “É muito rentável fazer isso dessa maneira, e os clientes querem isso. Há um sentimento de liberdade ligada à ideia de produzir energia em seu próprio telhado”, completou.

A comunidade de Fontana, ao leste de Los Angeles, está no centro dessa potencial revolução energética. Lá, o Instituto de Pesquisa em Energia Elétrica norte-americano observa como funciona uma sociedade na qual produção e consumo de energia são completamente equilibrados. As 20 residências da comunidade apresentam energia líquida zero e mostraram que práticas podem funcionar em larga escala.

Os modelos de comportamento observados indicaram que os limites de capacidade dos transformadores não foram excedidos, pois há grande variação nos hábitos de consumo energético, reduzindo a intensidade dos picos. Outra conclusão extraída a partir do experimento de Fontana é que a opção por baterias de armazenamento tem limitações. De acordo com o relatório da instituição, a tecnologia das baterias não amadureceu a ponto de se apresentar como viável economicamente. A recomendação é investir distribuição e organização de energia em redes – e é este modelo que vem se expandindo pelo mundo.

Energia auto suficiente: independente, mas em rede

A produção autônoma de energia solar pode ter dois modelos: ‘on-grid’ e ‘off-grid’. A diferença básica entre ambas é que no caso da ‘on-grid’, a casa ou edifício fica conectada a uma rede de distribuição elétrica, e a off-grid armazena a energia em baterias internas.

Hoje, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), uma fração menor que 1% dos sistema de energia solar fotovoltaica opera com bateria no Brasil. “O ponto, seja ele residencial ou comercial, é conectado à rede elétrica. Quando produz mais energia do que consome, esta energia é injetada à rede e vai para a comunidade; quando a demanda é maior que a produção, usa a energia disposta nesta rede”, explica Rodrigo Sauaia, da Absolar. “Quem fornece mais do que consome ganha crédito de energia – e não pode trocar por dinheiro [os créditos são válidos por até 60 meses]”, complementa.

A autoprodução de energia pode, além de gerar economia direta na conta de luz, promover relativa independência às variações de políticas energéticas de um país, estado ou cidade. Variáveis como o valor do petróleo e do gás natural e alterações climáticas (caso de secas, que podem reduzir a produção em regimes hidrelétricos) são menos sensíveis – e isso pode fazer uma enorme diferença para pequenos produtores, sobretudo, do campo.

Propriedade rural com energia solar. Crédito: Anggit Rizkianto/Unsplash

Um relatório da Absolar mostra que hoje já há 747 produtores rurais cadastrados como geradores de energia elétrica solar. Juntos, representam 12,2 Megawatts de energia distribuída, ou 5,4% de toda potência solar instalada no país. Usando basicamente toda energia produzida em suas propriedades, estes agricultores reduzem o valor de suas faturas mensais em até 95%.

“No Brasil, este cenário ainda está em construção. A geração distribuída já teve um crescimento de 75% no último ano, registrando atualmente 38 mil unidades geradoras registradas. No entanto, ainda há a necessidade de avanços nas redes inteligentes [as chamadas “smart grids”] e maior poder de decisão do cidadão, como a ampliação do mercado livre e a implementação da resposta da demanda”, analisa Rui Altieri, presidente do conselho de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Energia solar como estratégia para economia e sustentabilidade

Nos EUA, a Califórnia é a grande líder em relação à energia solar. Em 2017, 16% de toda eletricidade do estado veio de módulos fotovoltaicos e esta indústria é a responsável por empregar 86 mil californianos – mais do que qualquer outra indústria de energia. E não se trata apenas de um evento setorizado. De acordo com o relatório anual Renewable Energy and Jobs, a energia solar fotovoltaica é a maior empregadora do mundo no ramo da energia elétrica sustentável: são 3 milhões de empregos ou 25 a 30 trabalhadores a cada MW instalado.

Um levantamento publicado pela Absolar indica que o mercado de galpões e armazéns industriais no Brasil tem área total estimada em 12 milhões de metros quadrados e que esta superfície representa um potencial de investimento de R$ 6,8 bilhões na produção de energia solar. Se metade do montante fosse aplicado, 500 mil residências seriam abastecidas com energia solar e seriam gerados 30 mil novos postos de trabalho.

Ainda segundo o estudo, com esse investimento, a produção de eletricidade seria de 1,7 mil MW/hora ao ano, o que corresponde a uma economia de R$ 900 milhões na conta do país e uma redução de emissões de gases de efeito estufa em 132,7 mil toneladas por ano. Ou seja, o investimento seria pago em 7,5 anos, além do ganho ambiental.

Pai e filho caminham em estrada de painéis solares. Crédito: Aswin Sreenivas/Unsplash

Os países líderes na instalação de energia solar são Alemanha, Japão, EUA, China e mais nações da União Europeia. No Brasil, essa matriz está em crescimento – em 2017, os investimentos foram 18% maiores que no ano anterior – mas ainda é insuficiente. A instalação de geração de energia solar fotovoltaica é de 1 gigawatt hora e a previsão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é de que até 2024 chegue a aproximadamente 3,2 GW – a Alemanha tem 41 GW instalados.

“Grandes Estados já começam a estabelecer metas. É fundamental que o Brasil esteja conectado com as tendências globais para se tornar parte disso e até ser líder, aproveitando suas potencialidades energéticas imensas”, afirma Rodrigo Sauaia. A incidência solar brasileira é de 5,4 quilowatt-hora por metro quadrado, superior a de EUA, China e Alemanha.

Pesquisa realizada pelo DataSenado afirma que 85% da população brasileira acredita que o país deve investir mais em energias renováveis e 68% concorda que o Estado deve obrigar empresas a fazerem o mesmo. “Depende da vontade política e do engajamento da sociedade. O Brasil está bem posicionado e é um dos melhores lugares do mundo para a geração de energia solar, eólica, hídrica e de biomassa – quando combinadas, o país está à frente de muitos. Como nação, podemos liderar essa renovação”, profetiza o presidente executivo da Absolar.

Conteúdo publicado em 28 de novembro de 2018

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