Não é novidade que a água é um dos bens mais raros do planeta. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, até 2025, o planeta terá entre 2 bilhões e 3 bilhões de pessoas vivendo em áreas de estresse hídrico. Isso equivalerá a até 37%, ou mais de um terço, da população terrestre estimada para 2025, de 8,2 bilhões de pessoas, segundo a ONU.
Nesse sentido, também não são poucos, nem recentes, os esforços de diversificação de fontes do precioso recurso, bem como soluções para seu uso mais eficiente. Uma das formas mais básicas e antigas é a captação de água da chuva. Propagada em épocas de seca como uma alternativa para o uso doméstico, a captação, da perspectiva econômica, não é uma solução universal, como sugere o senso comum. Mas ela é, sim, uma das muitas importantes armas no arsenal a que precisaremos recorrer para lidar com o estresse hídrico previsto para as próximas décadas. E um estudo recente da BCC Research, uma consultoria especializada em pesquisas de mercado, mostra isso. Segundo o levantamento, o mercado mundial de soluções para o reaproveitamento de água da chuva deve crescer 5,3% entre 2017 e 2022 e atingir a casa do US$ 1,5 bilhão, o equivalente a R$ 3,1 bilhões, ao final do período.
“A captação de água da chuva é uma solução fácil e acessível para superar o estresse hídrico e funciona como uma importante fonte de água descentralizada. A captação também ajuda a reduzir o uso de água doce de fontes de águas superficiais e subterrâneas”, afirma Srinivasa Rajaram, analista e autor do relatório da BCC Research. Ele lembra, ainda, que, em larga escala, a armazenagem e o reaproveitamento de água da chuva pode proteger a infraestrutura de saneamento das cidades. Em momentos de chuvas torrenciais – quando a precipitação de um mês inteiro cai em um único dia, como se vê com cada vez mais frequência – sistemas de reaproveitamento de água da chuva ajudam a reduzir o estresse na infraestrutura pluvial. Em vez de a água da chuva ir para galerias e sobrecarregar córregos e rios, ela fica nas caixas d’água dos sistemas de reaproveitamento. Isso pode significar menos enchentes o que, por sua vez, reduz as despesas municipais não só com infraestrutura, mas também com saúde e transporte, entre outros.
Captação e reúso com ressalvas
Nem todos veem o reaproveitamento de água da chuva com os olhos de Rajaram. José Carlos Mierzwa, professor do departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e um dos fundadores do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água (Cirra), reconhece a importância da técnica, mas faz ressalvas. Para ele, a solução não é para todos e existem opções melhores para residências ou prédios comerciais com áreas menores de coleta – normalmente instaladas nas lajes ou telhados.
“Às vezes, você consegue reduzir o consumo [de água da rede] instalando equipamentos [como redutores de vazão] que economizam mais do que um sistema de reaproveitamento de água da chuva”, afirma o especialista. “Em alguns casos, o investimento no sistema [de reaproveitamento de água da chuva] e o trabalho para mantê-lo podem ser maiores do que o retorno que ele dá”, explica. Ainda de acordo com Mierzwa, a pesquisa da BCC Research, de certo modo, mostra isso. O segmento que comercializa o equipamento básico para a coleta de águas pluviais faturou a US$ 1,1 milhão em 2017 e deve crescer para US$ 1,3 milhão até 2022. “Não é muito, se pensarmos que estamos falando de um relatório global”, afirma.
O mercado de reaproveitamento de água da chuva tem dois segmentos: o de venda de equipamento básico para coleta, e o de montagem, comissionamento, serviço e manutenção deste equipamento. Explica-se: não basta instalar o sistema de captação de água da chuva, é preciso monitorá-lo para evitar perdas e vazamentos. O segmento de manutenção e planejamento deve crescer 6,2% ao ano até 2022 e fechar esse ciclo com faturamento anual de US$ 205 milhões. “Mas tem muita gente que não avalia nem em quanto reduzir o próprio consumo de água [da rede] graças a um sistema de reaproveitamento de chuva”, afirma o professor.
Para Mierzwa, o reaproveitamento da chuva vale a pena, principalmente, para grandes operações comerciais e industriais que consomem volumes igualmente grandes do recurso via rede de distribuição. “No caso de shopping centers e indústrias com grandes lajes, a instalação de um sistema de captação de água da chuva se paga rapidamente porque se substitui uma fonte paga por outra praticamente gratuita”, explica Mierzwa. Para ele, fora dos grandes centros, a solução é economicamente viável só em regiões com grande escassez hídrica. “No Brasil, seria o caso do semiárido nordestino, da região norte de Minas Gerais, ou numa comunidade afastada cuja população não é atendida por um sistema de abastecimento”, afirma.
Incentivos
Nos Estados Unidos, onde as secas vêm se agravando a cada ano, são muitos os incentivos para a adoção de sistemas de captação de água da chuva. No Arizona, no sudoeste do país, quem instala sistemas desse tipo tem direito a um crédito tributário único de 25% sobre o valor investido para compensar os custos da empreitada. Já na Califórnia, profundamente afetada pela seca nos últimos anos, há incentivos fiscais para instalações em quintais, além de proposta para excluir sistemas de reaproveitamento de água da chuva do cálculo dos tributos sobre propriedades. Em Santa Fé, no estado do Novo México, os legisladores foram mais arrojados: toda nova propriedade é obrigada, por lei, a ter um sistema de captação de água da chuva. A água da chuva também pode ser uma alternativa para a agricultura, especialmente em regiões de seca.
A adoção de uma solução eficiente exige, porém, grande investimento já que os volumes necessários são maiores e, armazená-los, mais complicado e custoso. Atualmente, os açudes surgem como opção mais recomendada. “O sistema funciona melhor quando é usado para irrigar aquilo que tem mais valor econômico”, diz Mierzwa. “A produção de verduras é um bom exemplo já que é um cultivo rentável e de ciclo mais curto”, explica Mierzwa.
Em grandes cidades, porém, Mierzwa é mais cético quanto aos efeitos positivos de um sistema de reaproveitamento da chuva. Segundo ele, em alguns casos, é preferível investir em medidas mais amplas, como de drenagem e combate à poluição de mananciais. A captação de água da chuva também não teria força para competir, em retorno sobre o investimento, com sistemas integrados como o de reúso de água a partir do tratamento do esgoto. Ainda assim, e apesar das críticas ao uso doméstico, Mierzwa acredita que a captação de água da chuva vai se manter em regiões de grande de escassez.
O que você pode fazer?
Quer construir um sistema de reaproveitamento de água da chuva para sua casa ou empresa? Um grupo de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) liderado por Mierzwa criou um aplicativo para te ajudar. Batizado de CAPCHU, o programa simplifica o dimensionamento das estruturas necessárias para montar o sistema.
Trata-se de um importante primeiro passo: determinar a viabilidade do projeto e os possíveis resultados que ele pode trazer.
Conteúdo publicado em 28 de abril de 2018