Produzir órgãos e tecidos sob medida para pacientes cujas enfermidades necessitam de transplante parece uma realidade distante, mas esta tecnologia pode estar bem perto de se tornar possível. Um grande passo neste caminho foi apresentado no artigo publicado pela revista científica Nature Medicine. Um grupo de pesquisadores da Universidade San Diego produziu, com uma impressora 3D, um trecho de medula espinhal que pode ser customizada de acordo com a lesão de cada paciente.
Este trabalho é pioneiro em bioengenharia porque o tecido de bioimpressão 3D foi aplicado em organismos vivos – no caso, ratos de laboratório. Mais que isso: as células desenvolvidas em laboratório conseguiram, de fato, percorrer toda medula espinhal lesionada e recuperar parcialmente o movimento dos animais.
Nos testes, os pesquisadores primeiro imprimiram implantes feitos com um tipo específico de gel e os encheram com células-tronco neurais. Estes implantes foram colocados cirurgicamente na medula espinhal lesionada dos roedores e, com o tempo, as novas células nervosas cresceram e formaram novas conexões através dela – e se conectaram não apenas umas às outras, mas também com as células nativas do organismo dos ratos, tanto na própria medula quanto no sistema circulatório.
Isso pode acontecer porque a tecnologia criada pela equipe do Prof. Shaochen Chen é capaz de atingir nível de qualidade inédito em suas bioimpressoras 3D: a maioria das máquinas só consegue imprimir até 200 mícrons, enquanto esta impressora produz tecidos de até 1 mícron. Assim, é possível preencher o tecido comprometido com extrema precisão.

“Esta é a beleza de nossa impressão 3D: podemos imitar a estrutura; outras máquinas não conseguem fazer o mesmo”, afirmou Chen em entrevista à revista de tecnologia Wired. Seu departamento está trabalhando em novos formatos de bioimpressão de tecidos humanos: nos últimos dois anos, testaram tecidos hepático e cardíaco e um tratamento contra dependência química em drogas ilícitas.
Bioengenharia e bioimpressão 3D: o que fazem?
Em grande medida, cientistas, engenheiros e pesquisadores médicos que trabalham com bioengenharia se dedicam a produzir tecidos humanos (ou tecidos animais, de forma mais ampla) ou ferramentas mecânicas (como articulações e/ou membros protéticos) que possam ser aplicados em pacientes com necessidades específicas.
Esta tecnologia é tida como uma das fontes mais promissoras no desenvolvimento celular e na produção de mini-órgãos, válvulas, cartilagens etc. que possam ser transplantados para humanos ou animais, ou colaborar para a regeneração destes tecidos. No entanto, a falta de padronização nas pesquisas e os debates éticos sobre sua aplicação são dois obstáculos para este setor.
No caso da pesquisa da Universidade San Diego, por exemplo, para a medula espinhal bioimpressa ser testada em humanos é preciso que a técnica seja testada novamente em ratos, mas em tipos diferentes de lesões, e, posteriormente, também em primatas.
Outras estruturas exigem ainda mais tempo e cuidado em seu desenvolvimento. O Instituto Wake Forest de Medicina Regenerativa, em 2018, apresentou o primeiro cérebro “organóide” impresso em 3D com todos os seis grupos celulares encontrados na anatomia humana.
O modelo abre as portas para a descoberta mais rápida de medicamentos para doenças de condições neurológicas, como a doença de Alzheimer, a esclerose múltipla e a doença de Parkinson, para que os pesquisadores possam entender melhor seus caminhos e progressão.
“Neste momento, podemos imprimir os materiais que imitam a estrutura do cérebro e adicionar sinais bioquímicos. Mas ainda há muito o que não se sabe sobre como fazer um cérebro funcionar”, pondera Christine Schmidt, engenheira biomédica da Universidade da Flórida à Wired.
Conteúdo publicado em 29 de março de 2019