Já eram 22:46 de segunda-feira quando Simon Kindleysides cruzou a linha de chegada da Maratona de Londres, pouco mais de 36 horas depois da largada. O inglês foi o último a chegar, mas isto pouco importava: ele se tornou o primeiro homem com paralisia a percorrer os 42 quilômetros e 195 metros da prova inglesa caminhando. O feito foi possível graças ao uso de um exoesqueleto (leia o que é um exoesqueleto abaixo).
“Não existia a possibilidade de desistir. Foi muito difícil, mas eu consegui. Tudo é possível”, disse Simon em depoimento para a ONG The Brain Tumour Charity, instituição para a qual ele liderou uma campanha de arrecadação que levantou cerca de 9 mil libras (R$ 43 mil). “Eu estava com muita dor, mas seguia pensando: ‘você chegou até aqui, você tem que terminar isso’. Pensei no apoio que recebi e em todo o dinheiro que foi doado para chegar ao fim”.
Apesar de não ter recebido uma medalha pelo cumprimento da prova – o regulamento só entrega o objeto para quem chega no mesmo dia da largada -, Simon não voltou para casa de mãos vazias. Ao concluir o trajeto, admiradores doaram a ele suas próprias medalhas e a instituição que organiza a Maratona de Londres concedeu a ele a honraria “Spirit of London”, dedicada a quem representa o “verdadeiro espírito da corrida”. Já receberam o prêmio o ex-pugilista Michael Watson, o filantropo Rev Chalke e o homem mais velho a completar a prova, Fajau Singh, aos 93 anos.
Quem é Simon Kindleysides?
Até abril de 2013, Simon Kindleysides era um artista da música com carreira iniciada aos cinco anos de idade. Como cantor, ele fez parte de grupos de música pop, boybands e lançou álbuns em carreira solo. Mas foi naquele abril de 2013 que sua vida mudou para sempre: Simon foi hospitalizado após subitamente perder os movimentos da cintura para baixo.
Ele ficou meses no hospital fazendo exames e testes até que se confirmou o diagnóstico de tumor cerebral, que comprometeria para sempre algumas de suas habilidades neurológicas e motoras. “Até aquele ponto, minha vida tinha sido incrível, foi difícil aceitar e lidar com esse diagnóstico que mudaria tudo para mim”, recordou. “Eu poderia ficar em casa e lamentar por mim mesmo, mas seria como jogar fora a vida que me foi dada. Eu decidi viver ao máximo”, concluiu.
Hoje, aos 34 anos, Simon vive em Norfolk, é casado e tem três filhas: Anya, de 14 anos, Corin, de 7 anos, e Lyra, de 17 meses. Ele trabalha como jurado no programa de TV “All Together Now” e é militante da causa em prol pessoas com tumor cerebral.
O que é o exoesqueleto e como ele pode mudar as nossas vidas?
Simon completou a maratona com um exoesqueleto dos mais modernos. O modelo ReWalk Personal System é mais leve do que qualquer outro modelo anterior já apresentado e foi produzido sob medida para ele. Agora, Simon começou uma nova campanha de arrecadação de fundos para comprar em definitivo a ferramenta. O valor do exoesqueleto usado por ele é de 80 mil libras (R$ 380 mil).
De acordo com a empresa que produz o exoesqueleto, o ReWalk Personal System é uma máquina movida a bateria capaz de mover quadril e joelhos a partir do movimento da parte superior do corpo de seu usuário. Os sensores identificam os movimentos do tronco e braços e produz novos movimentos para as pernas, de modo a ajustar o centro de gravidade de quem está usando. Quando esses movimentos ocorrem de forma repetida, cria-se uma sequência similar à marcha de caminhada.
Na Copa do Mundo de 2014, o pontapé inaugural foi dado com o auxílio de um exoesqueleto projetado pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis. Ele é um dos principais desenvolvedores da tecnologia, na qual trabalha desde 1999 e cuja premissa é que o pensamento seja capaz de controlar de forma direta o equipamento.
Nicolelis é líder do projeto “Andar de novo”, que usa uma touca especial capaz de identificar atividades elétricas do cérebro por eletroencefalografia: quando o paciente pensa em caminhar, a informação neurológica é codificada em informação computacional e envia a ordem aos membros artificiais, que se movem.
Em um trabalho publicado na Scientific Reports, o cientista brasileiro descobriu que a tecnologia pode agir de forma inversa. Isso significa que, a partir dos movimentos dos membros inferiores, houve recuperação neurológica, com o ressurgimento da imagem motora destes membros no nível cortical. No estudo, houve recuperação parcial da paraplegia em 50% dos casos analisados.
Ainda não se sabe até onde os exoesqueletos podem auxiliar o ser humano, mas seu uso já vem sendo testado tanto na recuperação neurológica de pacientes, quanto como equipamento complementar para trabalhos pesados e até como ferramenta militar.
Conteúdo publicado em 9 de maio de 2018