Em tempos de séries como “Black Mirror” e “Westworld”, não é difícil imaginar um futuro distópico onde os empregos ficam todos nas mãos automatizadas dos robôs ou no cérebro de um sistema de inteligência artificial. Como toda grande mudança, a transformação digital nas empresas assusta, mas não há motivos para pânico, pelo contrário. Novos estudos provam que uma série de profissões vão surgir na medida em que a automação ocupa espaços no mercado de trabalho tradicional.
Singular em escopo e impacto, uma ampla pesquisa divulgada no final de 2017 pela consultoria americana McKinsey revelou um rico mosaico de potenciais mudanças no trabalho para os próximos anos. A principal descoberta do levantamento, intitulado “What the future of work will mean for jobs, skills, and wages” (“O que o futuro do trabalho significa para empregos, habilidades e salários”, em tradução livre) foi de que, embora as perspectivas sejam de pleno emprego até 2030, importantes e desafiadores transições marcarão os próximos 12 anos. Transições estas que podem até exceder a escala de mudanças vistas na agricultura e na indústria no passado.
Automação e suas consequências
Automação, como a palavra sugere, é um sistema de controle automático de processos mecânicos que permite que as máquinas verifiquem seu próprio funcionamento, introduzindo ajustes e correções sem a necessidade de interferência humana. Com a expansão da automação, tudo que envolve trabalho braçal será executado, com cada vez mais frequência, por máquinas – e não por humanos.
A consequência disso é uma mudança na natureza do trabalho. No futuro, restará aos trabalhadores humanos funções que não podem ser exercidas pelas máquinas, como o gerenciamento de pessoas, a aplicação de conhecimentos e a comunicação humana. Nesse sentido, as habilidades da força de trabalho também terão de mudar para envolver, cada vez mais, funções cognitivas avançadas como a interação social e emocional, o raciocínio lógico e a criatividade.
O ser humano precisará ser mais humano na era da automação.
Segundo o levantamento da McKinsey, hoje, pelo menos um terço das atividades de 60% da funções que existem no mercado de trabalho mundial podem ser automatizadas. Isso significa que entre 400 milhões e 800 milhões de trabalhadores podem ser substituídos pela automação nos próximos 12 anos. Ou seja, a perspectiva de profundas mudanças é muito real para muita gente. E mais: do total de pessoas que devem ser deslocadas de suas funções, entre 75 milhões e 375 milhões precisarão mudar de categoria ocupacional, ou seja, terão de aprender e desenvolver habilidades completamente novas.
Com tecnologia, o desenvolvimento será mais sustentável
Para Andrew Anagnost, ex-presquisador da NASA, a agência espacial americana, e hoje presidente da Autodesk, uma empresa de software de design, quem diz que a automação vai acabar com os empregos está ignorando um ponto importante. “O mundo precisa de mais edifícios, infraestrutura e produtos do que pessoas, dinheiro ou materiais disponíveis para produzi-los”, escreveu Anagnost em um artigo recente no qual se discutiu o futuro do trabalho.
“Se você olhar para a infraestrutura no mundo desenvolvido, muita coisa precisa ser refeita: as pontes estão desmoronando, as estradas estão em apuros. Já nos países emergentes, há infraestrutura por fazer: ferrovias, estradas, túneis e pontes. Mas não há matéria-prima ou dinheiro suficientes para fazer tudo isso”, afirma. Com o aumento da população mundial – até 2050, seremos 9,8 bilhões e em 2100, 11,2 bilhões, segundo a ONU – cresce, também, a demanda por produtos, como carros, casas, roupa, comida e, principalmente, por energia. Em um mundo automatizado, a tecnologia reduz ineficiências e desperdício, fundamentais dada perspectiva de aumento na demanda por quase tudo nas próximas décadas.

Com a automação, ganha também a agenda da sustentabilidade. A automação permitirá que empresas de construção e manufatura produzam com mais eficiência, inteligência e menos recursos, o que resultará em um sistema produtivo mais sustentável. Já a robótica aplicada ao processo de construção aumentará a reutilização de materiais de estruturas já existentes, reduzindo custos ambientais e financeiros. Com a robótica, se reduzirá, também, a necessidade de grandes investimentos de tempo e dinheiro na capacitação da força de trabalho para práticas mais sustentáveis. No futuro da automação, uma atualização de software pode mudar as práticas de toda indústria de uma só vez, com reflexos imediatos para os negócios e o planeta.
A automação também deve estimular o surgimento de novas economias em torno da reciclagem e da reutilização de materiais. O setor de automóveis é um que pode ser impactado. Vem ganhando força, principalmente nas grandes cidades, a agenda de redução ou eliminação do uso do carro particular. Se os carros fossem menores, mais verdes, eficientes e, fundamentalmente, mais baratos a realidade seria outra. E carros com essas características serão produzidos com mais facilidade com a automação. “Carros elétricos são mais complexos eletronicamente, mas eles são menos complexos mecanicamente. Em um mundo automatizado, as fabricantes poderiam rapidamente atualizar a frota de carros do planeta – e ainda reciclar os materiais retirados dos carros atualizados”, diz Anagnost.
Já se sabe que a automação transformará as indústrias existentes e criará novas. Isso significa que quem está no mercado de trabalho terá que se adaptar a um ambiente cada vez mais tecnologicamente sofisticado. Jovens que estão chegando ao mercado de trabalho vêm acostumados não só com a tecnologia, mas com o ritmo de mudanças imposto por ela. Eles entendem que flexibilidade e adaptabilidade são chave para um bom emprego – e que isso só deve aumentar em um futuro de automação. Essa adaptabilidade, porém, pode ser aprendida. Quem estiver disposto a assimilar as novidades aumentará as chances de emprego.
As novas profissões
Conheça profissões que a tecnologia vai criar em cinco áreas do conhecimento
1. Design
O novo designer criará experiências em realidade virtual, fará moda em impressoras 3D e fabricará órgãos humanos em laboratório
Designer de moda feita em impressora 3D, designer de experiências em realidade virtual e designer de órgãos são algumas das especialidades que um designer poderá escolher no futuro próximo. Em um artigo para a Singularity University, Raya Bidshahri, fundadora e CEO da Awecademy, uma plataforma online de aprendizado, ressalta que as profissões do futuro serão multidisciplinares: “um designer de experiência em realidade virtual terá que combinar a experiência das artes e da tecnologia para criar mundos realmente imersivos”.
2. Neurociência
O novo especialista em neurociência aplicará seus conhecimentos no desenvolvimento de implantes para cérebros turbinados e na interface homem-robô.
Fundir mente humana e inteligência artificial é o que quer fazer a Neuralink, uma das mais recentes empreitadas de Elon Musk, fundador do PayPal e hoje à frente da Tesla e da SpaceX. Com os avanços tecnológicos dos próximos anos, será possível conectar cérebros para que eles se comuniquem diretamente entre si e até desenvolver mecanismos para ler mentes ou reconstruir memórias. Para isso, serão necessários especialistas em neurociência aplicada à essas áreas.
3. Ética e regulação
Profissionais de direito, ética, filosofia e política tecnológica serão fundamentais para estabelecer regulação e limites à tecnologia
Na medida em que a tecnologia se torna cada vez mais imersiva, aumenta a demanda por profissionais que saibam fazer as perguntas certas para estabelecer diretrizes éticas e limites nesses novos cenários. Segundo Raya Bidshahri, fundadora e CEO da Awecademy, uma plataforma online de aprendizado, exemplos nessa área incluem consultores com essas formações, mas especializados em aprimoramento cognitivo, modificação genética, e privacidade, entre outros.
4. Engenharia do transporte
Engenheiros de tráfego do futuro vão desenhar infraestrutura para carros sem motorista, sistemas expressos como o Hyperloop e até naves espaciais
O surgimento de novas formas de transporte, como carros autônomos, drones e veículos como o Hyperloop – uma espécie de cápsula que desloca pessoas em alta velocidade no vácuo de dutos enterrados no solo – vai exigir mão de obra especializada. Esses meios de transporte precisarão de pessoas para organizar suas redes, desenhar e administrar tráfego e projetar infraestrutura e sistemas eficientes para seu funcionamento. As viagens ao espaço também devem criar um mercado próprio de operadores de voo e pilotos, entre outros.
5. Urbanismo
O urbanismo deve mudar, com a ascensão de especialistas em soluções sustentáveis para megacidades
Hoje, cerca de metade da população mundial vive em grande cidades – até 2050, a expectativa é de que essa proporção salte para 66%, segundo dados da ONU. Urbanistas com habilidade para pensar cidades gigantes de maneira sustentável serão requisitados. Transporte mais limpo e fontes de energia renováveis já geram empregos na área. E isso deve aumentar substancialmente nos próximos anos, com a reorganização de prioridades e o aumento no número e no tamanho das grandes cidades. Planejador de cidade inteligente, arquiteto de energia limpa, projetista de casa de consumo zero – todas essas serão profissões com forte demanda.
Conteúdo publicado em 26 de abril de 2018