Uma das principais iguarias brasileiras, o pão de queijo disputa com o brigadeiro o posto de receita que representa o Brasil para o estrangeiro. Há, porém, um ingrediente especial na versão original, a mineira, que muitas pessoas, inclusive os brasileiros, desconhecem. A receita do pão de queijo, ao contrário do que se imagina, não começa pelo queijo mineiro, e sim pela mandioca. Na verdade, por um derivado dela: o polvilho, que pode ser azedo ou doce. Os dois são usados no pão de queijo mineiro – a opção por um ou por outro depende da região.
Mas para além do polvilho, Minas Gerais esconde outro grande segredo: o ingrediente que fez florescer, em Belo Horizonte, sua capital, um ecossistema de startups que vem ganhando não só o Brasil, mas a América Latina e o mundo. Chama-se San Pedro Valley, em uma referência àquele que ainda é o maior celeiro de inovação no mundo, o Vale do Silício, nos Estados Unidos. O San Pedro Valley já foi eleito por duas vezes seguidas como a melhor comunidade de startups do Brasil pelo Spark Awards – hoje Startup Awards -, premiação realizada pela Associação Brasileira de Startups, no CASE, seu evento anual.
Não é de hoje que a região de Belo Horizonte se destaca no mundo das startups. O que estabeleceu a capital mineira como centro de referência nesse universo aconteceu há mais de 10 anos e tem nome inspirado no guarani: Akwan Information Technologies – Akwan significa rápido na língua indígena. Sediada na capital mineira, a empresa virou notícia em novembro de 2005, quando foi comprada pelo Google.
Idealizada a partir da tese de doutorado de um aluno de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Akwan chamou a atenção por ter desenvolvido um algoritmo capaz de trazer respostas eficientes às buscas feitas pelos usuários da internet. Era a tecnologia por trás dos sistemas de buscas do Todobr.com e fornecia serviços para o UOL, do Grupo Folha, e o IG. Também foi celeiro de mão de obra qualificada, com uma equipe formada por professores e engenheiros da própria universidade.
Dentre eles estava o professor e pesquisador da UFMG Nivio Ziviani, um caso raro de acadêmico brasileiro que conseguiu transformar pesquisas em milhões de reais. Além da Akwan, nos últimos 20 anos ele também fundou a Miner, especializada em organizar buscas de segmentos específicos – vendida em 2006 para o UOL por R$ 4 milhões – e a Neemu, empresa de buscas voltada para o comércio eletrônico, adquirida em 2015 por R$ 55,5 milhões pela fabricante de software Linx.
A compra da Akwan pelo Google não foi a única. Na época, o escritório da Akwan foi escolhido para ser a sede das operações da gigante americana no Brasil. Até hoje, Belo Horizonte é sede do único centro de engenharia do Google na América Latina.
Mas não foi só o Google. A Accenture, uma das principais consultorias de gestão e serviços de tecnologia do mundo, comprou em 2008 a fornecedora mineira de sistemas de automação industrial Atan, e se instalou em Belo Horizonte. A Embraer, por sua vez, também escolheu a capital mineira para se tornar a base do seu primeiro centro de engenharia fora de São Paulo, em 2014.
Com isso, o número de startups em Belo Horizonte aumentou e o crescimento continua acelerado, concentrando-se principalmente no bairro de São Pedro. Na época, o bairro foi escolhido pelo baixo preço do aluguel comercial, mas, hoje, as empresas do San Pedro Valley, já na casa das 300 startups, estão espalhadas pela cidade e por bairros mais nobres da cidade, como a Savassi.
Apoio do governo, de universidades e de entidades
Dentre as maiores empresas que fazem parte do San Pedro Valley estão algumas que se destacam pelo seu crescimento, envolvimento com a comunidade e, por consequência, autoridade: Hotmart, Méliuz, Rock Content e Sympla.
A Hotmart é uma plataforma especializada em soluções para quem cria, vende e distribui produtos digitais, no caso, e-books, vídeo aulas, podcasts e audiobooks. Criada por João Pedro Resende e Mateus Bicalho, a startup foi uma das primeiras a conseguir investimento. Em 2011, eles participaram de uma competição de startups promovida pelo Buscapé e, ao vencerem, levaram R$ 300 mil.

O Méliuz é um programa de fidelidade que, em vez usar o sistema de pontos, devolve aos usuários o benefício em dinheiro. Criada também em 2011 por Ofli Guimarães e Israel Samen, que como muitos sócios do San Pedro Valley, se conheceram na faculdade, a Méliuz foi uma das várias empresas da região que participaram do Startup Chile. Em 2012, a empresa voltou do programa de mentoria e aceleração com um aporte de investimento de US$ 40 mil e desde então, não parou.

Méliuz foi uma das várias empresas da região que participaram do Startup Chile. Foto: Emily Canto Nunes
Por fim, a Sympla é uma plataforma de venda de ingressos, inscrições e gestão de participantes em eventos que também nasceu do encontro de seus sócios no San Pedro Valley: os irmãos Rodrigo e Marcelo Cartacho com David Tomasella.

Sympla é uma plataforma de venda de ingressos, inscrições e gestão de eventos. Foto: Emily Canto Nunes
Além dessas, também vale mencionar a MaxMilhas, criada por Max Oliveira, um portal para compra de passagens aéreas emitidas por milhas que conecta quem quer vender milhas aéreas com quem deseja comprar passagens.E, por fim, a Rock Content, empresa de marketing de conteúdo criada por Vitor Peçanha, Edmar Ferreira e Diego Gomes.
Apesar de atuarem em mercados bem distantes, as empresas do San Pedro Valley têm algo em comum: a prestação de serviço como algo inovador e o foco no cliente. A área de Consumer Service da Sympla, que dá apoio e suporte ao usuário, é uma das maiores.
Outro ponto em comum entre algumas das startups é que parte delas recebeu apoio do governo local. Em 2014, com o lançamento do programa Seed pelo governo de Minas Gerais (criado em 2013), o número de startups na região só aumentou. Em três rodadas de aceleração, 120 startups foram beneficiadas, juntas faturaram R$ 23 milhões, geraram 145 empregos e captaram R$ 10 milhões em investimento privado. Algumas das startups mais influentes do San Pedro Valley participaram do programa, como Beved (de cursos online e presenciais), Smarttbot (robôs investidores), Tracksale (análise de compras) e a Risü (cupons de descontos).
Há também o trabalho em conjunto das quatro principais entidades representativas do setor neste caldeirão: Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação de Minas Gerais (Assespro-MG), Fumsoft (uma organização sem fins lucrativos que atua junto ao setor de TI), Sindicato de Empresas de Informática de Minas Gerais (Sindinfor) e Sociedade de Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (Sucesu Minas), que resolveram trabalhar juntas para tornar o setor mais relevante até 2022. Elas desenvolvem ações de capacitação, estímulo ao empreendedorismo e adequação do ambiente regulatório.
Outro ingrediente importante do San Pedro Valley, além da inspiração e do incentivo governamental, é a educação. A Akwan, como mencionado antes, nasceu dentro da UFMG. Além da Universidade Federal, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) e Fundação Dom Cabral formam profissionais para o setor de tecnologia da informação e áreas afins. Além dessas, integram o ecossistema de startups de Belo Horizonte outras universidades como Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), Newton Paiva, Centro Universitário Una e Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH).
Mentalidade de colaboração
Apesar de ter sido criada em 2011 e ter sido lançada em 2013, a SmarttBot só começou a operar, mesmo, um ano depois. Os sócios Felipe Machado, Leonardo Conegundes e Paulo Gomide ficaram três anos prototipando seus robôs investidores dentro da UFMG. A pesquisa era justamente em algoritmos para automatizar o investimento no mercado de ações. Nesse tempo, além da UFMG, a empresa contou com ajuda do Seed, foi acelerada pelo programa do Bradesco, Inovabra, e ficou incubada no Google Campus, em São Paulo.
Gomide, que há tempos faz parte do ecossistema do San Pedro Valley e é Engenheiro da Computação formado e com mestrado pela UFMG, atesta a importância da educação de qualidade em Belo Horizonte. “Somos um centro de excelência em tecnologia, e já temos uma cultura de empreendedorismo, de se ajudar, mas também de deixar o cara se virar”, conta. Hoje, por exemplo, a disciplina de Empreendedorismo da UFMG, idealizada por empreendedores do San Pedro Valley, conta com aulas ministradas por eles próprios.
O engenheiro afirma ainda que o clima de não-concorrência, de ganha-ganha e de colaboração da comunidade é 100% orgânico. “Temos grupos de WhatsApp para nos ajudar e sempre que há uma dúvida, quem sabe ajuda o outro”, conta. E essa troca não é só entre os CEOs e líderes das startups locais, mas também entre profissionais que atuam em outras áreas dessas empresas, como marketing e comunicação, por exemplo. Por fim, Gomide acredita que o jeito mineiro de fazer as coisas acontecerem sem chamar a atenção, o famoso “come quieto”, também tem sua parte no sucesso do San Pedro Valley.
Mais do que a inspiração, o incentivo daqueles que já passaram pelas dores de empreender, falando de igual para igual com quem está começando, faz a diferença no polo tecnológico de Belo Horizonte. A colaboração entre profissionais, mas também entre entidades privadas e públicas, aliada ao poder das universidades de potencializar essa mentalidade empreendedora transformam o San Pedro Valley em um exemplo a ser seguido em outras regiões, e não apenas do Brasil, mas do mundo.
O que você pode fazer?
São muitas as maneiras de se envolver com o ecossistema do San Pedro Valley. Uma delas é pelo site oficial, onde você pode conhecer melhor as empresas que fazem parte da comunidade. Outra é frequentar o Órbi, um espaço colaborativo de fomento à inovação e ao empreendedorismo que atende startups em diferentes níveis de maturidade. O Órbi é resultado da colaboração de empreendedores e startups do San Pedro Valley com três grandes empresas mineiras: Banco Inter, MRV e Localiza. O local funciona como como ponto de encontro para fazer negócios, ambiente de networking e hub de consumo de conteúdos de qualidade sobre o assunto.
Conteúdo publicado em 15 de março de 2018