Representante da nação maori Te Āti Haunui-a-Pāpārangi, Rãwiri luta para que o rio Whanganui, o maior da Nova Zelândia, também seja dos povos indígenas

Tem um ditado que diz: ‘Eu sou o rio, e o rio sou eu’. Eu moro perto do rio e ele é importante por várias razões. A primeira delas é que vemos o rio como um ancestral. E, na medida em que o vemos como um ancestral, não nos enxergamos como separados dele. Esse sentimento está presente na nossa forma de pensar e em tudo que fazemos. O rio também é importante para nós por que ele nos dá o que comer, é um lugar para brincar e um meio de locomoção. E o rio não é importante só para nós. Ele também é importante para outros maoris, e para todo mundo que usa o rio de alguma forma. Mas, para nós existe essa conexão geracional com o rio. E, nos últimos anos, ele vem sendo usado para gerar energia, o que significa que estamos mudando seu curso. Ele também tem sido usado para o descarte de fármacos, o que contamina o rio, deixando-o poluído. E tudo isso não faz bem para a saúde do nosso rio, logo, temos que protegê-lo.

Aos 38 anos, Rãwiri Tinirau é codiretor do Instituto de Pesquisa Te Atawhai o Te Ao, com foco em pesquisa em meio ambiente e saúde, e vice-presidente da Ngā Tāngata Tiaki o Whanganui, uma entidade de governança que estabelece a nação Whanganui como responsável pelo rio rio Whanganui, o rio de que Rãwiri tanto fala. Representante dos Te Āti Haunui-a-Pāpārangi, uma das várias nações, ou iwi, que é como são chamadas as várias nações de maori vivendo na Nova Zelândia, Rãwiri e seu povo lutam pela governança do rio Whanganui há anos. Com 290 km, o rio é o mais longo do país, nascendo na montanha Tongariro e indo até o mar. É também o mais navegável de Aotearoa, como os maori chamam a Nova Zelândia.

Diferentemente do que estamos acostumados a ver, para os maori, existem várias nações dentro da nação maori, povo indígena polinésio que vive na Nova Zelândia. As nações (iwi) são compostas por hapu, grupos formados de sub-tribos indígenas e várias famílias extensas, por sua vez chamadas de whānau, que é a forma de organização mais antiga dessas nações.

Em 2017, os maori ganharam uma luta que durava mais de 140 anos em defesa do rio Whanganui. Em decisão inédita,o governo neozelandês concedeu ao rio os mesmos direitos de uma pessoa. Isso quer dizer que se alguém poluir ou atacar o curso de suas água poderá sofrer as mesmas punições e consequências de um ataque feito a um cidadão do país. O rio também pode entrar na justiça, por meio de seus guardiões, contra a poluição de suas águas sem precisar provar que essa poluição tem impacto sobre a população, como antes era exigido.

Segundo Rãwiri, o rio tem sido uma forma de manter seu povo unido, pois grande parte das 12.000 pessoas que compõem a iwi Te Āti Haunui-a-Pāpārangi não moram necessariamente perto rio, mas em outras cidades da Nova Zelândia ou mesmo do mundo. “Grande parte da nossa população está na casa dos 20 anos, mas nós também temos vários membros mais velhos perto rio, o que resulta em grandes desafios: como nos mantemos conectados com essas pessoas? Não importa onde eles moram, precisamos todos atuar naquilo que é preciso fazer para melhorar logo a qualidade de vida do rio e de quem mora perto do rio”.

O que os Te Āti Haunui a Pāpārangi e outras nações iwi querem é cuidar da saúde de seu ancestral, o rio Whanganui. “Estamos caracterizando as pessoas que usam o rio e ouvindo o que elas têm a dizer sobre a forma que o rio está sendo usado para, juntos, criarmos uma uma estratégia para garantir a saúde e avançar em sua proteção”, explica Rãwiri, pós-graduado em negócios e administração pela Massey University. Formado em contabilidade, ele conta que entrou na pós-graduação porque lhe ofereceram um trabalho, mas hoje percebe que foi a escolha foi certa.

Segundo ele, para os maori, é importante ter uma pessoa da tribo envolvida nos negócios, e agora ele dirige um instituto independente de pesquisa que precisa de seu conhecimento de administrador. “Agora eu vejo o quanto o estudo ajuda no meu trabalho, pois os valores do nosso povo precisam influenciar as decisões de negócio, precisam influenciar as decisões tomadas sobre o rio. E, no instituto, nós pesquisamos sobre saúde e meio ambiente porque vemos uma conexão entre os dois assuntos, como um reflete o outro”.

Para Rãwiri, que esteve pela primeira vez no Brasil por ocasião do 8º Fórum Mundial da Água, foi uma oportunidade de conhecer e entender perspectivas diferentes das suas, pois também existem pessoas que dependem do rio com pontos de vista diferentes sobre o rio Whanganui. “Mas existem alguns valores que todos nós temos dentro de nós, não importa de onde viemos, e acho que esses valores ficaram bem claros para mim nesse evento. Eu e meu povo temos essa visão de longo prazo, que é própria, e que pensa no outro. Pode ser que não vejamos resultados nessa vida, mas nós sabemos que o que estamos fazendo agora vai contribuir para a vida das futuras gerações e isso é o que faz a água tão importante para nós”.

Conteúdo publicado em 24 de março de 2018

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