
A água é um direito de todos, assim como viver em uma região sem conflitos armados. Para Anastasia, a paz é sua bandeira de luta e o jornalismo sua arma
Tecnicamente eu sou russa, mas o Azerbaijão é meu país e, logo que nasci, começou a guerra de Nagorno-Karabakh, as agressões e a chegada de refugiados. Em 1992, quando ainda era um bebê, aconteceu o genocídio de Khojaly, onde, em uma noite, 613 pessoas de uma vila foram mortas pelos armênios. Até hoje, esse massacre não é reconhecido internacionalmente como um genocídio. Enquanto eu crescia, enfrentava esse problema. Via refugiados chegando de territórios ocupados precisando de suporte médico, remédios, equipamentos e um lugar para viver. Em 2016, quando comecei a trabalhar na organização em que estou hoje, fui para a primeira região de fronteira militar e conheci alguns refugiados. Foi muito emocionante. No caminho, você vê crianças sem escola brincando em lugares nada apropriados. Quando você chega, elas te abraçam e perguntam quando vão solucionar o problema delas e o que elas precisam fazer para acabar com a guerra para que seus pais e irmãos não morram. Foi aí que eu comecei a entender ainda mais realidade, Desde então, estou tentando criar uma consciência sobre isso, não só sobre o conflito no meu país, mas em diferentes países da região – na Síria, na Ucrânia, sobre o que estava acontecendo antes no Iraque, Afeganistão, Líbia. Quero criar uma consciência e encontrar uma forma de desenvolver uma plataforma com vários jornalistas e membros da sociedade civil que queiram se juntar a nós e fazer as vozes dos refugiados e das pessoas deslocadas internamente de suas casas serem ouvidas bem alto.
Formada em relações internacionais, Anastasia Lavrina encontrou na prática do jornalismo uma forma de dar espaço para os azeris — como são chamados aqueles que nascem no Azerbaijão — na Guerra de Nagorno-Karabakh. Essa guerra tem raízes históricas, mas se agravou com o fim da União Soviética no início dos anos 1990. Desde então, entre períodos mais bélicos e outros menos, Azerbaijão e Armênia disputam um enclave étnico, território com distinções políticas, sociais e culturais cujas fronteiras geográficas se sobrepõem a outro território. Na prática, Nagorno-Karabakh já se tornou uma república independente, mas na lei ainda permanece como parte do Azerbaijão. Tal situação criou um número sem precedentes de deslocados internamente (internally displaced people, IDP na sigla em inglês) e de refugiados internacionais forçados a viver em campos provisórios dos governos do Azerbaijão e do Irã.
E a disputa se agrava ainda mais porque na região tomada pelos armênios está o reservatório de Sargsang. Nos últimos anos, os armênios têm feito uso político dos recursos hídricos e dificultado o acesso pelos azeris. Em 2014, Milica Marković, membro bósnio da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), divulgou um relatório em que descreve os riscos ambientais decorrentes da falta de manutenção regular da barragem, bem como sobre a possibilidade de as regiões fronteiriças com o Azerbaijão estarem sendo privadas do abastecimento de água, prejudicando a agricultura intensiva, as atividades industriais e os hábitos de consumo. Em junho de 2016, a Casa Branca respondeu formalmente a uma petição sobre o status de Nagorno-Karabakh e os perigos ambientais representados pelo reservatório de Sarsang. Na resposta, o governo Obama expressou seu apoio à Resolução PACE 2085 e pediu uma reunião entre especialistas técnicos para discutir a gestão de água e as inspeções das barragens no reservatório, mas desde então, com a mudança na Casa Branca, a questão não andou mais para a frente.
Como jornalista do site Eurasia Diary, Anastasia tem conectado jornalistas interessados em cobrir a região para que eles possam ver com seus próprios olhos o que está acontecendo e reportar os fatos como fontes primárias. Disponível em cinco línguas, o veículo é uma iniciativa do International Eurasia Press Fund (IEPF) e da Eurasia Media Network, duas entidades que divulgam análises sobre os conflitos regionais para além da região do Cáucaso. “Somos uma plataforma que serve para as pessoas expressarem suas opiniões e, especialmente, trocar ideias sobre como construir a paz – como nós, pessoas comuns, podemos nos comunicar e compartilhar experiências para dar um fim rápido aos conflitos”.
“O que o jornalismo faz é muito eficiente. É perigoso, mas as pessoas entendem melhor o conflito. Na minha experiência, esse tipo de cobertura não é difícil desde que você ame o seu trabalho e o faça sem nenhuma consequência negativa para si próprio Damos aos jornalistas a oportunidade de fazer o que eles gostam: viajar, entrevistar e ver, com seus próprios olhos, as zonas de conflito”, conta. Segundo Anastasia, recentemente a organização começou um trabalho educativo na capital, Baku. Foi criado um centro de diversidade que dá às pessoas a chance de estudar diferentes línguas e também de estudar fora, por meio de intercâmbios.
Mais do que falar da escassez de água, Anastasia quer chamar a atenção para o problema dos refugiados e das pessoas que são deslocadas dentro do seu próprio país (internally displaced people, IDP na sigla em inglês). “Eu participei de um painel no Fórum sobre os problemas dos refugiados e dos IDOs, mas foi pequeno. Temos que ganhar mais atenção, ocupar um auditório grande, cheio de jornalistas, para começar uma cooperação entre esses profissionais e organizações sociais e governamentais dispostas a tratar da questão”, afirma ela.
Ao 27 anos, Anastasia já sabe que quer formar uma família e ter filhos, e quer que eles possam viver no Azerbaijão. Segundo ela, trata-se de um país em desenvolvimento, com vários projetos de energia interessantes sendo implementados em cooperação com nações vizinhas. A economia vai bem, mas o conflito com os armênios ameaça a estabilidade do país. “Se perdermos a nossa estabilidade podemos entrar em uma situação como a da Síria, Iraque e Afeganistão e é justamente isso que não queremos. Se não resolvermos o conflito nunca sabemos o dia de amanhã. Eu realmente quero ver minha futura família vivendo em condições apropriadas sem riscos de vida por causa dos tiroteios, com uma boa educação, um ambiente sustentável e condições de trabalho. Preciso ajudar meu país”.
Conteúdo publicado em 25 de março de 2018