
Assessor sênior do PNUD Brasil, Haroldo Machado Filho adotou dois filhos - e o planeta
Vou contar uma história que eu quase nunca conto. Não é que eu não acreditasse na mudança do clima, no fenômeno, mas quando eu comecei a trabalhar na área, achava que as pessoas eram um tanto quanto catastrofistas, que aumentavam os problemas. Naquela época, eu trabalhava com uma visão mais de mitigação, de vetar o aumento da emissão de gases do efeito estufa. Então achava que as pessoas exageravam um pouco. Isso lá em 1998. O assustador foi verificar, em 2015, ao resgatar os cenários que eu podia ter consultado em 1998, que esses cenários não só foram verificados, como o pior cenário insinuado naquela época já aconteceu. Isso foi algo que eu vivi, e a mudança de clima é algo inequívoco. Ela é algo que acontece e eu acho preocupante que a gente não encare essa questão com seriedade, no sentido de elaboração de políticas públicas e de colaboração para que para que possamos reverter esse problema de alguma forma. E digo tentar reverter de alguma forma porque não tem como voltar atrás. O que podemos fazer, agora, é mitigar a escala e retardar um pouco os efeitos enquanto a tecnologia faz seus avanços.
Hoje, Haroldo Machado Filho, além de assessor sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD Brasil) é doutor em direito internacional de mudança do clima. “Sou advogado, por incrível que pareça, e brinco que esse é um dos meus grandes defeitos, mas logo depois fui fazer mestrado em Relações Internacionais, porque tinha essa preocupação de ter uma visão mais integrada do mundo, da globalização. E, logo em seguida, pude unir um pouco as duas coisas quando fiz meu doutorado em direito internacional e a minha especialização em mudança do clima”, conta.
Nascido em Belo Horizonte, Haroldo conta que um dos cenários mais apavorantes que teve conhecimento na década de 1980 foi, justamente, relacionado à água. “Falava-se que ia chover com cada vez menos frequência, e que quando a chuva caísse ela ia ser cada vez mais intensa. Não preciso falar mais nada”, afirma.
Haroldo começou a se aproximar da questão do meio ambiente quando ainda estava na sua cidade natal, na mesma época em que deixou de exercer a profissão de advogado. Hoje, ele mora em Brasília. “Vivo em Brasília e meio que na minha mala. Costumo dizer que Brasília é onde eu troco de roupa”, brinca.
“Meu primeiro emprego foi no escritório de uma pessoa fantástica, que já faleceu, doutor José Henrique Renault. Ele era advogado da associação de moradores do bairro Belvedere, que fica do lado do BH Shopping. Ali era um bairro de casas, e havia todo um movimento de empreiteiras para construir espigões. Na época, os moradores das casas queriam impedir as construções porque ali era o grande corredor eólico da cidade. Infelizmente, e por uma série de questões que não vale a pena falar aqui, esse grupo dos empreiteiros ganhou e hoje você tem ali no Belvedere prédios gigantes de 20 e tantos andares. Todo mundo sabe que a temperatura de Belo Horizonte aumentou pelo menos dois a três graus desde então. Parece pouco quando falamos em dois, três graus, mas pensa no seu corpo e na questão da febre. A diferença de você estar com 37.5 e 39.5, é mais ou menos isso. Já vemos efeitos muito negativos, deletérios, por causa dessas mudanças do microclima. E estamos falando só do microclima, nem estamos falando da mudança do clima como um todo, que é um agravante”, explica.
Responsável por divulgar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil, enquanto representante do programa da ONU, Haroldo vê a própria carreira como um exemplo de que a gente nunca sabe quando vai precisar de um conhecimento que achou que nunca mais ia usar. E como aprender é algo para se fazer ao longo de toda uma vida.
“Eu fui aquele que entrou para a faculdade de Direito e jogou todos os livros de química e física fora. Aí, depois, tive que aprender isso tudo na prática. Mas, para realmente ter uma visão do planeta, uma visão dos ecossistemas, você precisa se aprofundar e ir além dos saberes tradicionais que você aprende na faculdade. Acho isso muito importante nos dias de hoje: você ter uma formação mais integrada, mais holística, no sentido mais amplo de que você está sempre aprendendo. Quando falamos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), existe também o objetivo de educação. Eu acho muito interessante que antes, na agenda dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, se falava em educação primária, e hoje não se fala mais só em educação primária, mas em aprender ao longo da vida. Eu acho isso muito significativo. Nós, que vamos viver cada vez mais, precisamos aprender novos saberes ao longo da vida”.
Com 46 anos, Haroldo tem dois filhos de coração: Bruno, designer de 29 anos, que ele adotou aos 24, e Tiana, de 22 anos, hoje fisioterapeuta, que ele viu nascer. Segundo ele, qualquer pessoa pode fazer uma adoção de coração a qualquer momento já que ela não depende de documento. Quando perguntado sobre essa adoção, Haroldo fala da importância dessa relação na sua vida.
“Adoção de coração é você zelar pela educação, pela orientação de pessoas que já estão por aí, que de alguma forma te veem como uma referência paterna. Mas acho até que o termo paterno não é o mais adequado, por questões de gênero com as quais eu me preocupo também. Independe se é mãe ou se é pai, importante é você conseguir orientar uma pessoa que está aí no mundo para agir pelo bem, que pense nas gerações futuras, que não faça nada com ninguém que você não gostaria que fizessem com você. Esse tipo de orientação independe de qualquer vertente ideológica ou religiosa. Precisamos ter algum comprometimento com o planeta e tentar fazer o bem, impactar as outras pessoas, para que gere essa corrente positiva”, afirma.
Conteúdo publicado em 28 de março de 2018