Engenheira ambiental, Natália Pietzsch é uma das donas da Re-ciclo, empreendimento criado para fechar o ciclo do lixo orgânico na região de Porto Alegre, onde ela nasceu, cresceu e mora

Eu sempre tive curiosidade pelo tema meio ambiente, por isso fiz engenharia ambiental. Mas nunca tinha tido contato com os dados sobre a gestão de resíduos orgânicos do município – que, hoje, é o assunto ao qual eu me dedico. Só fui conhecer esses números na universidade, e eles são alarmantes. Porto Alegre gera 1,5 mil toneladas de resíduos sólidos todos os dias, sendo que 50% desse total é de resíduos orgânicos. Hoje, esse material é enviado para um aterro sanitário que fica a 130 km da capital, em Minas do Leão. Isso não é eficiente, seja da perspectiva do gasto público ou do impacto ambiental. Vi, na engenharia ambiental, uma oportunidade de fazer o bem, de deixar o mundo um pouco melhor nessa e em outras frentes. Foi a forma que encontrei de fazer a diferença. Ao longo do curso [de engenharia ambiental], fui me sensibilizando ao assunto. No começo, nem separava os meus resíduos. Só quando comecei a trabalhar com o assunto é que vi a situação e fiquei chocada. Aí passei a fazer minha parte. Foi um processo. Não é uma história que começou bonita.

Aos 29 anos, Natália Pietzsch pode se orgulhar das mudanças que fez tanto na própria vida quanto na cidade onde nasceu, cresceu e mora: Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Em 2016, para fundar a Re-ciclo ao lado dos sócios Filipe Soares e Thiago Rocha, ela precisou de coragem. Mestre em engenharia da produção e candidata a doutorado na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Natália resolveu empreender logo de cara, tendo feito apenas estágios na área e atuado como consultora autônoma. “Empreendi porque me deparei com um problema que considero muito relevante: a questão do lixo dentro das cidades. Não via uma perspectiva de que a prefeitura ou a iniciativa privada fossem resolver esse problema. Então, junto com os meus sócios, comecei a pesquisar alternativas e soluções para os resíduos orgânicos. Não queria ficar esperando. Com a pesquisa, vimos uma oportunidade de negócio com propósito socioambiental”, conta.

Segundo Natália, a Re-ciclo se encaixa no que se convencionou chamar de “setor 2.5” por se tratar de uma iniciativa que não é uma organização não governamental (ONG), nem uma empresa que tem o lucro como o principal objetivo. “Nossa finalidade é gerar benefícios socioambientais, mas precisamos dar lucro para nos manter. Não recebemos doação ou patrocínio – a empresa paga todas as contas com a receita que gera. E estamos em fase de expansão, com quatro pessoas dedicadas exclusivamente à empresa. Ainda não conseguimos pagar salários compatíveis com o mercado, mas estamos trabalhando para remunerar melhor os colaboradores, ter mais impacto e alcançar mais pessoas”, explica.

O objetivo da Re-ciclo é dar destino sustentável aos resíduos orgânicos que antes iam para aterros. A empresa faz isso recolhendo esses resíduos, de bicicleta, na casa de seus clientes e destinando esse material para compostagem. Ao final do processo, o resíduo se transforma em adubo, um composto rico em nutrientes próprios para hortas e jardins, que volta para os clientes que assinam o serviço (R$ 45 mensais para casas e a partir de R$ 60 mensais para negócios). Hoje, a Re-ciclo atende, principalmente, pessoas físicas e restaurantes, mas a empresa também vende minhocários prontos e dá cursos para quem quiser se inteirar sobre os princípios da agricultura urbana ou ainda aprender a construir a própria composteira ou minhocário.

Durante a Virada Sustentável de Porto Alegre, a empresa da Natália promoveu um curso de aproveitamento integral de alimentos que ensinou receitas com cascas, talos, e sementes frequentemente descartadas. “Parte importante dos nutrientes que a gente precisa está, justamente, no que jogamos fora”, diz ela. E o desperdício não é só do alimento, mas também dos esforços de toda a cadeia que existe para que ele chegue na casa do consumidor – do produtor ao transporte. “Jogar fora qualquer parte desses alimentos não faz sentido. O que precisa ser descartado deveria ser transformado em adubo para voltar para a agricultura, nutrir o solo e dar origem a novos alimentos. Esse deveria ser o ciclo, e não o “compra, consumo e descarte” que é regra nas grandes cidades”.

Natália faz questão de lembrar que o conceito de sustentabilidade também está atrelado ao de corresponsabilidade. “A prefeitura tem as suas obrigações, mas quem gera o resíduo somos nós, então a primeira responsabilidade precisa ser a do cidadão, que deve, pelo menos, separar o lixo de forma adequada e descartar no local certo. E isso nem sempre acontece. Todos têm de fazer a sua parte: prefeitura, cidadão e empresas”, afirma ela.

Hoje, o foco da Re-ciclo está em expandir a operação em Porto Alegre. “Temos 190 associados e 20 empresas, e grande potencial para crescer. Queremos aumentar e qualificar o serviço. Atualmente, levamos os resíduos para um sítio em Gravataí para compostar, mas o nosso sonho, para 2019, é trazer isso para dentro de Porto Alegre e assim eliminar o custo financeiro e ambiental do transporte”, conta. “No futuro, seria maravilhoso se todo bairro tivesse um terreno com horta comunitária para fazer a compostagem ali, no próprio bairro. Com isso, fecharíamos o ciclo dentro da própria cidade. Quando isso acontecer, a Re-ciclo nem precisaria mais existir”.

Conteúdo publicado em 12 de abril de 2018

Conheça mais pessoas