
Depois de desistir da carreira corporativa e de passar anos à procura do novo, a arquiteta encontrou a economia circular e a aplicou à moda: assim nasceu o Clube da Roupa
Design e sustentabilidade andam juntos. É incoerente pensar em um design de produto sem pensar na sustentabilidade ambiental, social e financeira deste produto. A gente precisa levar em conta quem produz, se há comprometimento social nessa produção, e como o que é feito volta para a sociedade e o meio ambiente. Mas a postura do consumidor costuma ser só de questionar as empresas reclamando, e não de questionar também a si mesmo. O que transforma o mundo não são as respostas, mas as perguntas que a gente faz e as conexões que a gente consegue construir e manter. Por isso acredito tanto em provocar questionamentos e fazer novas conexões.
Uma inesperada mudança de rumos na carreira tirou a gaúcha Ana Caminha, 38 anos, da vida corporativa para empreender em sustentabilidade e moda, duas de suas maiores paixões. Em abril de 2018, dez anos depois da gênese da ideia, a empresária colocou de pé o “Clube da Roupa”, uma iniciativa que usa os princípios da economia circular para mudar a forma como as pessoas lidam com vestuário. “Nem sempre a gente compra roupa porque quer uma roupa, a gente só quer uma novidade”, diz Ana. “Será que não dá para atender a esse desejo de novidade sem precisar consumir uma nova roupa, com todos os custos financeiros e ambientais que produzir essa nova peça implica?”
Para chegar a essa pergunta – e à sua resposta – o caminho de Ana foi longo. Nascida em Porto Alegre, ela se mudou para o Rio de Janeiro duas décadas atrás, assim que foi aprovada no vestibular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se formou arquiteta. “Gosto de Porto Alegre e das pessoas, mas não me sentia em casa. Fui para o Rio sem planos de voltar”, conta.
“Quando terminei a faculdade, liguei o piloto automático. Como passei por alguns perrengues de grana, enfiei na cabeça que dinheiro era algo muito importante”, diz. Ela então definiu como prioridade crescer e estabelecer uma carreira com objetivo de se tornar diretora de uma grande empresa.
Ao longo de nove anos trabalhou no mercado corporativo em administradoras de shoppings e grandes varejistas para atingir sua meta – e conseguiu. Mas não estava feliz. Durante três anos, entre os 30 e os 33 anos de idade, ela questionou os rumos que vinha seguindo. “Não era nada disso que eu queria, vivia doente e sentia um vazio enorme. Não sabia o que fazer, só sabia que não queria mais aquele tipo de emprego, não queria usar blusa do cavalinho, do jacarézinho, bolsa com letrinhas. Então, pedi demissão”, recorda.
Ansiosa com o futuro, Ana logo investiu tempo e dinheiro como sócia de uma rede de restaurantes japoneses que, em pouco tempo, quebrou. Foi o que a forçou a fazer algo que jamais havia cogitado: abrir um escritório de arquitetura. “Não sabia o que era empreendedorismo, mas era a única coisa que eu tinha para fazer. Então comecei a procurar projetos na área e assim foi indo”, conta.
Mesmo na arquitetura, Ana ainda se sentia incompleta. “Para mim, arquitetura é uma questão de saúde: é um espaço, seja casa ou trabalho, que te traz uma sensação boa, te faz se sentir acolhido e bem”, explica. E nem tudo que ela via na profissão estava alinhado com essas expectativas. Ela destaca o fato de que a arquitetura é um privilégio em uma sociedade tão desigual como a brasileira, além do recorrente e abundante desperdício de materiais comum ao setor.
Uma biblioteca de roupas
“O Clube da Roupa nasceu da pergunta: e se eu fizesse uma biblioteca de roupas?”, diz Ana. Segundo ela mesma, antes de conceber a ideia da biblioteca de roupas, sua relação com consumo e moda era pouco saudável. Ana chegou a ocupar um quarto inteiro com suas peças e lembra que, não raro, em shoppings e lojas, precisava de ajuda para carregar sacolas até o carro porque já não tinha mãos para carregar o que tinha comprado.
O fim de um casamento e a mudança para um apartamento menor a obrigou a se desfazer de boa parte de suas roupas. O que poderia ser motivo para depressão acabou percebido, por ela, como uma libertação. A relação com a roupa e o consumo estava mudando. Era 2010 e, insatisfeita com a arquitetura e vivendo esse novo momento, Ana começou a enveredar pelo design e a fazer cursos na área.
Mas seria só em janeiro de 2017, durante curso do programa de inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Instituto Gênesis, que o “Clube da Roupa” se estruturaria melhor. “Apresentei a ideia de uma biblioteca de roupas em uma dinâmica. Um professor adorou e me incentivou a tocar adiante”, conta. Em sessões quase obsessivas de pesquisa e conversas com profissionais do setor, a ideia amadureceu. “Percebi que o projeto não era só um armário compartilhado – existe um componente importante que é a relação em rede. É uma nova forma de pensar em como você usa a roupa: ela passa a ser um meio e não um fim”, afirma Ana.
Em poucos meses, Ana formou sociedade com a amiga Bárbara Vancura e a dupla colocou o projeto na rua. A estreia do “Clube da Roupa” foi em abril de 2018, durante o Fashion Revolution Brasil, evento que trata de moda sustentável. As aspirações de Ana não são pequenas. Em longo prazo, com a internacionalização do clube, Ana vislumbra até a possibilidade de que se viaje sem a necessidade de uma mala de roupas. Ao chegar no destino, bastaria, ao sócio, encontrar um “Clube de Roupa”, pegar o que se quer usar durante a estada e devolver as roupas antes da volta para casa.
“Sempre fui uma pessoa mais crítica e insatisfeita com as coisas. O hábito de questionar e de mudar fazem parte de quem eu sou. Com as perguntas, crio novas conexões”, afirma. E foi das novas conexões que surgiu o “Clube da Roupa”.
Conteúdo publicado em 22 de junho de 2018