
Com a Virada Sustentável em Porto Alegre, bluevision inaugura uma série de perfis de pessoas que participam do evento, que terá edições em outras cidades durante o ano
Com a minha colaboração política fiz aquilo que podia fazer naquele momento, mas com o jornalismo acho que posso avançar ainda mais. Sou muito exigente com o meu trabalho. Tenho um projeto para os próximos três de anos que é de avanço, de desenvolver uma qualidade técnica e escolher bem os meus temas. Isso é uma questão especial no jornalismo: você trabalha com recursos e tempo limitados. A desvantagem do jornalismo é que você nunca chega à perfeição, tem sempre alguma coisa errada, mas a vantagem é que você nunca olha para trás, então a maneira que eu trato a minha imperfeição é sempre olhar para frente e tentar corrigir adiante. Acho que, apesar da crise, a profissão de jornalista ainda vale a pena porque, com a crise, também se abrem possibilidades. A internet abriu novas possibilidades, surgiram sites e outras iniciativas. O que estamos vivendo não é uma crise do jornalismo, é uma crise de transição para outras plataformas.
Aos 77 anos, o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira conta que foram várias as razões que motivaram sua saída da política depois de quatro mandatos consecutivos, entre 1995 e 2011. Pesaram os obstáculos que tornaram impossível o serviço público como ele o imaginava. Mas também pesou a saudade da vida ao ar livre. Para Gabeira, Brasília é uma cidade em que se vive no subterrâneo, quase como o sobrevivente de um acidente nuclear. “Estar ao ar livre é fundamental para ver que o tempo está passando”, diz. “Acordo cedo e, de vez em quando vejo a aurora, pois ainda trabalho como fotógrafo. Em outros momentos, ver o pôr-do-sol é muito importante. Ter essa sensação de que o dia começou e acabou é muito boa”.
Mineiro radicado no Rio de Janeiro, Gabeira é conhecido pela sua atuação no Partido Verde brasileiro, do qual é membro fundador, e por ser defensor de questões ligadas ao meio ambiente. “O assunto entrou na minha vida quando tomei conhecimento de algumas manifestações internacionais, como o documento do Clube Roma, no final da década de 1960, que constatava que os recursos naturais eram limitados e que era preciso mudar o modo de produzir e de consumir”, conta.
“Depois, vivendo na Suécia, tive a oportunidade de conhecer algumas iniciativas que me levaram à ideia de sustentabilidade. Surgiram as preocupações com a alimentação, a redução do trânsito no centro das cidades, a criação de ruas exclusivas para pedestres – tudo isso me levou a entender a importância da ecologia. Ao voltar para o Brasil, na década de 1980, comecei a tratar do tema e propus de criarmos um Partido Verde”, afirma ele.
No discurso que fez na abertura da Virada Sustentável de Porto Alegre (6 a 8 de abril) – a primeira de uma série que acontecerá durante o ano por todo Brasil -, Gabeira lembrou que o assunto que tem dominado suas atenções nos últimos tempos é a questão da água e do saneamento básico. “Esse é um problema que já foi resolvido por alguns países no século 19”, afirma. Ele explicou que, hoje, o crescimento econômico ainda é a grande métrica de sucesso de um país. Mas que essa métrica não considera coisas fundamentais, como o acesso da população à água e ao saneamento básico.
“Esse é um serviço público da mais alta importância, que tem força para melhorar a qualidade de vida como um todo. Então, hoje, quando se fala em aumento de consumo, em crescimento econômico, precisamos fazer uma virada no sentido de incluir, nessa conta, o acesso a serviços públicos fundamentais como esse”. Gabeira também lembrou que a falta de saneamento básico não é um problema de falta de educação, mas sim de política pública. “O saneamento básico é o grande fracasso da atual geração de políticos no Brasil. E o crescimento do País depende do acesso a esse serviço”.
No sentido de contribuir com o debate sobre o assunto, Gabeira diz que tem procurado focar sua produção de artigos e vídeos na questão da água. “Em alguns lugares, trato da contaminação da água, em outros da riqueza da água, e em outros, da disputa pela água. Tem sido o meu tema principal”, afirma.
“Em 1990, tive a oportunidade de participar de uma conferência do Greenpeace para definir o que eles consideravam temas vitais. E eu disse, já naquela época, que o grande tema era a água. A água é vida, tem uma importância fundamental, e o Brasil, por falta de saneamento básico e outros fatores, destrói permanentemente o seu patrimônio hídrico”, diz. “Minha preocupação é se conseguiremos defender e preservar esse patrimônio. Nós temos 12% da água doce do planeta, no entanto, ela é má distribuída de tal maneira que vivemos um grande stress hídrico nas grandes metrópoles brasileiras”, conta o jornalista.
Um dos mais famosos exilados políticos dos tempos da ditadura militar, Gabeira viveu fora do País por 10 anos. Hoje, ele acredita que os militares já se convenceram da importância de se defender e valorizar a democracia e a Constituição. “A ditadura me ensinou e ensina a todo mundo o valor da liberdade. Ela representou um momento na história do Brasil que me parece superado de vez, então tudo que eu sentia naquele momento, de falta de liberdade de expressão, já foi superado. Hoje a liberdade no Brasil é grande. Não temos usado bem, mas isso não é um problema do sistema, é um problema de quem não a usa bem”, afirma. “Criou-se no Brasil o diálogo dos surdos. Eu insisto que a briga deve ser das ideias, e não das pessoas”, resumiu.
Além de jornalista e escritor, o autor de “O que é isso companheiro? (1979)” diz se sentir produtivo, apesar da idade, e que gosta das praticidades da tecnologia. “As lixeiras não ficam mais cheias de papéis como na época das máquinas de escrever”, comenta. E ele reconhece que muito do seu vigor físico aos 77 anos vem de uma alimentação melhor e de uma boa relação com o próprio corpo.
“Essa é uma luta que você vai perder. A morte é uma realidade e você vê que ela se aproxima. Mas acho também que, hoje, o conceito de velhice mudou muito. No passado, pessoas da minha idade estavam aposentadas ou ficavam dentro de casa. Hoje, não. Nós podemos ter uma vida ativa até bem mais tarde. Você pode ser produtivo até o final da sua vida, sobretudo quando você trabalha com uma atividade intelectual”, afirma.
“Desde que eu voltei do exílio, introduzi no Brasil uma série de temas. Procurei desenvolver a questão ecológica, a questão de gênero, o combate à discriminação racial e a tolerância às diferentes opções sexuais. O que pude trazer da minha experiência de vida e do sofrimento do exílio, eu trouxe. Agora eu não sei o que vai ficar. Mas a verdade é que, para quem vai, isso não importa tanto”.
Conteúdo publicado em 7 de abril de 2018