Uma das mais importantes futuristas brasileiras, Lala Deheinzelin destaca a importância das economias criativas, compartilhadas e colaborativas para projetar e construir um futuro mais sustentável

Lala Deheinzelin é uma das mais relevantes estudiosas do futuro no Brasil – é a única brasileira associada à World Future Society, uma das mais antigas e respeitadas comunidades futuristas do mundo. Fundadora do Movimento “Crie Futuros” e do “Núcleo de Estudos do Futuro” da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela tem como foco de suas avaliações as economias criativas, compartilhadas e colaborativas.

O início de seus estudos ligados ao futuro se deu em 1995, quando passou a fazer parte da WFS e, desde então, trabalhou em projetos como assessora de instituições governamentais, não governamentais, empresas e até da Organização das Nações Unidas (ONU), com foco em questões ligadas à sustentabilidade e projeções de futuro. Em 2014, criou e coordenou, a convite da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul), o curso de pós-graduação em Economia Criativa e Colaborativa. Lala organizou e sistematizou sua técnica de futurismo no método Fluxonomia 4D, combinando Estudos de Futuro e 4 Novas Economias (Criativa, Compartilhada, Colaborativa e Multimoedas).

Ao bluevision, Lala Deheinzelin explicou como se produz conhecimento no futurismo, apontou quais são os fatores determinantes para projetarmos o futuro e apresentou sua compreensão de sustentabilidade e novas economias.

Veja a seguir:

Lala, por favor, antes de tudo nos explique o que significa a função de futurista: por que você classifica seu trabalho sob esta denominação?

Lala Deheinzelin: Fui oficializada como futurista em 1999, quando a WFS promoveu um anuário das pessoas que pesquisam e pensam futuros: mandei um relatório das minhas atividades e fui aceita. Meu trabalho se formou na prática. Realizei muitas pesquisas e serviços grandes como assessora. A partir de 2008, comecei o Crie Futuros, onde trabalhamos com projeções de futuro desejável. Em um mundo em rede exponencial, não é mais possível trabalhar com um futuro provável, é preciso ir além. Acredito que o estudo de tendências é interessante, mas não suficiente para gerar inovação. A tendência é retrato do agora, que é fruto do pensamento do passado. No movimento Crie Futuros, coletei futuros desejáveis de muitos países, de vários perfis e idades, e combinei essa visão com a assessoria técnica para governos, ONU e empresas.

Hoje, trabalho com futurismo do ponto de vista social e cultural. Há mais gente que trabalha com futuro do ponto de vista da tecnologia. É complexo imaginar outra sociedade, outras relações, outra formas de pensar e produzir. O foco está em como aprimorar o fazer junto, agrupar potências e pensar o futuro com economia criativa, compartilhada, colaborativa e multimoedas.

Como funciona este trabalho no dia a dia de suas atividades? O que faz um futurista?

No começo de 2017, Jerome Blenn, do Millenium Project, um grupo de futuristas que está em 35 países, apresentou um estudo sobre o impacto da inteligência artificial e o que ela pode gerar. Perguntaram sobre duas questões chaves: aquecimento global e educação como forma de mudar a consciência humana. Ele respondeu: “o estudo sobre aquecimento global foi publicado em 71 e sobre educação e consciência foi publicado em 73”. Então, o que faz um futurista? Como diz [o teórico austríaco da ciência administrativa, falecido em 2005] Peter Drucker: “Apenas vejo o que está lá, mas ainda não foi percebido”. A gente tem olhar treinado para perceber aquilo que já está sendo, não se influenciar pelos padrões do passado e ter visão macro. Um futurista é sintetista. Há muitos analistas, mas falta quem veja os padrões macro, que percebam o todo e consigam compreender o que está acontecendo.

Em resumo: precisamos compreender características de um setor e comparar com o que vem pela frente, pensando nas macro necessidades do mundo e imaginando as oportunidades que se tem à frente. Para cada setor analisamos as oportunidades e combinamos com os desejos do coletivo. Buscamos compreender o que a sociedade deseja, necessita e como podemos atender a isso.

Que tipo de soluções os futuristas podem apresentar para a sociedade?

Identificamos oportunidades: vejo aquilo que não tem mais sentido e vejo o que pode gerar oportunidade à frente.

Vou contar uma história: no fim do século 19 e começo do século 20, as cidades que cresciam muito eram movidas a cavalo – e onde há muito cavalo, há muito cocô de cavalo. Cidades grandes, como Londres, procuravam o que fazer com tanto cocô de cavalo e urbanistas pensavam em fraldas de cavalo. Enquanto isso, os carros chegaram e rapidamente substituíram os cavalos – e as fraldas deixaram de fazer sentido. Para mim, isso foi algo emblemático. Não podemos hoje criar mais fraldas de cavalo. Vejo empresas, organizações e governos discutindo suas fraldas de cavalo, coisas que não farão sentido rapidamente. O meu trabalho tem uma função: trazer o futuro para o presente.

E como isso pode ser aplicado na prática?

Nosso método trabalha com a percepção do presente. Quando se pensa no futuro é preciso aproximar o presente. Muitas vezes, há uma dissociação. Você cria uma imagem idealizada do futuro, mas há problemas hoje, como logística, gestão de talentos, inovação, criar nova relação com o consumidor. Por exemplo, se você pensa sobre 2050, não há entrega de caixas de produtos, porque tudo é feito localmente com impressora 3D e entregue com drones. Mas há um problemão agora, que é como você vai entregar as caixas com os produtos. O que a gente faz? A gente vê os componentes de futuro para aplicar no presente. Por exemplo, você entregar suas caixas de forma colaborativa em um formato de economia compartilhada. Em vez de ter um caminhão, você procura quem tem espaço excedente em seus caminhões e com quem você pode se associar para distribuir seu material. A questão é o agora. O futurista traz novas forma de fazer. Como sociedade, usamos também velhas ferramentas para resolver novas questões.

Essa previsão leva em consideração quais fatores? E ela projeta quais aspectos da sociedade?

O que norteia nosso trabalho é a visão para a qual a ideia de ser sustentável quer dizer que me sustento no tempo: eu, o planeta, a sociedade, as cidades e a minha instituição ou meu perfil profissional. E quando a gente pensa que está cuidando do todo, então, a sustentabilidade é uma decorrência de quando temos a percepção de que somos interdependentes.

E como se materializa esse futuro? A vida em rede é completamente diferente de tudo o que houve anteriormente e ela tem dinâmica exponencial, tudo conectado com tudo e em tempo real, fora do tempo e do espaço, porque ela não é local e nem temporal. Para aprender a lidar com isso, a única maneira é combinar as tecnologias da informação e da comunicação com as tecnologias da colaboração.

O caminho é atuar em quatro dimensões simultaneamente: levamos em consideração as dimensões cultural, ambiental, social e financeira, e com o objetivo de ganhar exponencialidade a partir da combinação de tecnologias e colaboração. É diferente da visão dos futuristas do Vale do Silício, que estão com a cabeça apenas nas tecnologias como solução para tudo. A gente pensa em sustentabilidade, desenvolvimento local, com redução de pobreza, ampliação da felicidade, e sabemos que apenas a tecnologia não dá conta. Ao contrário, ela pode nos deixar menos felizes e menos sustentáveis, como está acontecendo. É uma maravilha quando está associada com a colaboração e toda a parte do desenvolvimento humano e social, mas pode ser muito perigosa quando está desassociada destes fatores.

Você estuda novas economias sob uma metodologia que você mesma desenvolveu, correto? Você pode, por favor, explicar brevemente o método Fluxonomia 4D?

A Fluxonomia 4D combina futurismo e novas economias. O objetivo é sintetizar informações neste mar de dados que estamos imersos. A gente se especializa no como, não no quê fazer. Uma vez definido “o quê”, trabalhamos no “como” com a Fluxonomia. Com nossas ferramentas de colaboração, mapeamentos de recursos 4D, compreensão sistêmica dos processos. Identificamos os recursos não monetários disponíveis, como os ambientais, a estrutura, os equipamentos, recursos culturais, sociais, o conhecimento interno, parceiros, recursos financeiros não monetários, como o tempo. Uma vez reconhecidos, eles são colocados em fluxo. A fluxonomia é como um conjunto de lentes que nos ajuda a perceber o sistema de forma integral.

O método trabalha com instituições, no macro, e com gestores, no micro. Por isso nosso slogan é “novas economias viabilizando futuros desejáveis”.

O método se chama 4D porque trabalha em quatro dimensões da sustentabilidade simultaneamente. Quando praticamos sustentabilidade, vemos que a ambiental, social e financeira só é possível quando há uma mudança de mentalidade, que está associada à linguagem adequada, comunicação, aos conhecimentos necessários.

Do ponto de vista da sustentabilidade, como você vê as soluções para o futuro?

Nosso trabalho com sustentabilidade é integral. A sustentabilidade ambiental, com redução de resíduos, desperdício, energia, é uma consequência dos processos das outras áreas. A experiência revelou que a gente não chega aos resultados ambientais se não trabalhar antes as outras dimensões.

Em cinco anos, vai ser muito diferente daquilo que vemos agora, com uma velocidade que as empresas e instituições não estão percebendo. Quando vemos imagens do passado e futuro há uma infinidade de imagens de tecnologias desejadas, mas são pouquíssimas que mostram outro retrato da sociedade e das relações. É a razão pelas quais estamos em crise – e não é uma crise, é uma transição.

Você vê a economia se movimentando para acomodar estes problemas? Como imagina a organização internacional de produção e consumo para as próximas décadas?

É evidente que temos várias economias e que os mecanismos tradicionais que consideram geração de riqueza precisam ser revistos. Por exemplo, a economia tradicional considera gerar riqueza pelo consumismo. Mas o cuidar gera muito mais riqueza que o consumismo. Nossa capacidade de consumir é limitada, assim como a capacidade do planeta de gerar recursos para o consumo. Em compensação, o cuidar é infinito – sempre há o que cuidar.

A gente precisa mudar as métricas, que são adequadas apenas para medir as necessidades em moeda. Mesmo para a economia criativa, que já está consolidada, medir o valor intangível continua sendo muito complexo. No iPad, por exemplo, se custa US$ 500, US$ 23 cobre a parte tangível e o resto todo é relativo ao intangível, mas as métricas para medi-lo são insuficientes ainda. Como a gente computa o valor gerado pelo compartilhamento de estrutura por essa ótica do usar e não do possuir? Do ponto de vista da colaboração, então, nem se fala. A economia colaborativa ganha escala somando a ação de muitos pequenos e diversos. Também não temos métricas para medir o valor do tempo, da reputação, da colaboração, de tantas coisas incluídas nas novas economias.

Estamos engatinhando na transição de modelo. E precisamos ter claro que é transição de modelo político-econômico, não uma crise. Isto acontece periodicamente na história. Quando muda o padrão de como se conecta e se distribui a riqueza, a informação e o poder, vem o ajuste. Aconteceu na passagem da monarquia para a república, do monopólio para a economia industrial. A rede centralizada da monarquia passa a ser multicêntrica na época industrial. Agora estamos vivendo uma nova mudança na passagem dessa forma de se organizar, que é hierárquica, para a forma em rede distribuída. E inevitavelmente é só uma questão de tempo para nos levar a um novo padrão político e econômico, com novas formas de distribuir valor, multimoedas, trocas diretas e também mudanças de modelo de gestão política, que será mais distribuída, talvez um formato de democracia digital direta ou algo assim.

Como você vê a participação do Brasil nesta configuração com uma agenda pró-desenvolvimento sustentável?

Nós perdemos o bonde da história. Houve um momento, até 2009, no qual a gente teve oportunidades extraordinárias de protagonizar uma mudança global, justamente porque o desafio da rede é a colaboração, e no “fazer junto” nós somos bons, vide a potência do Carnaval, do futebol e até da igreja. Mas agora estamos completamente atrasados, a gente retrocedeu muito. Do ponto de vista da sociedade, há um avanço no desenho de novas iniciativas da sociedade civil, existe uma proliferação de boas práticas, de metodologias, mas isso ainda muito lento. E não há apoio e visão do Estado com relação à inovação. A gente produz experiências e conhecimento de vanguarda, mas não consegue escalar conhecimento e experiências sustentáveis, porque não temos um Estado a favor, temos que operar apesar dele e não graças a ele.

Em sua avaliação, quais são as principais preocupações que devemos ter para construir um futuro sustentável?

A principal preocupação deve ser a falta de consciência das pessoas sobre o poder que elas têm. Acabamos de sair de uma Copa do Mundo: pense que depois de ver um jogo de duas horas nós nos dedicássemos a ensinar algo que sabemos e que é importante para o todo – afinal de contas, não tem ninguém que duvide que a educação é o grande elemento que catalisa transformações. Se 60% da população brasileira se dedicasse duas horas a ensinar algo, isso significa 27.600 anos, somando todas as horas – é mais ou menos o tempo da civilização humana. Esse tempo convertido dá 303.000 anos letivos. Dá para imaginar a potência disso? A principal coisa que precisamos saber é que já está tudo disponível, o que não existe é a escolha de convergir.

Nós perdemos, ou investimos, muito tempo em atividades que consomem muito tempo, como o futebol ou redes sociais. Se a gente tivesse consciência da potência de nosso tempo, se fosse possível convergir nossos recursos, seria extraordinário. Um exemplo muito interessante sãs as captchas, que são as letras que colocamos para provar que não somos robôs. Levam apenas dez segundos para preenchermos; mas, somado todo o mundo que as preenche, chega a 500.000 horas por dia. O criador das captchas criou, então, as recaptchas, na qual cada quatro letras que preenchemos é um pedaço de uma palavra de um livro que, coletivamente, estamos digitalizando. De quatro em quatro letras, que preenchemos em dez segundos, coletivamente, com pouquíssimo esforço, digitalizamos 2 milhões de livros anualmente. Imagina esse tipo de coisa em escala?

A principal questão agora é a narrativa para mostrar à sociedade que nós já temos todas as condições de resolver, mas precisamos escolher. A prioridade é comunicar que é possível e que já há recursos, pessoas e tempo para isso, caso façamos as escolhas corretas.

 

Conheça o posicionamento da Braskem na íntegra acessando: http://www.braskem.com/economiacircular

Conteúdo publicado em 26 de setembro de 2018

O que a Braskem está fazendo sobre isso?

No dia 7 de novembro de 2018, a Braskem lançou globalmente um novo Posicionamento Global sobre Economia Circular. No âmbito do posicionamento, a empresa vai atuar voluntariamente para atingir diversos objetivos, entre os quais se destacam o que garante que 100% das unidades industriais da petroquímica adotem as melhores práticas para controle de pellets até 2020.

A Braskem reconhece que a gestão adequada na disposição de resíduos plásticos pós-consumo é uma preocupação global crescente, e que o material deve ser usado com responsabilidade, reutilizado, reciclado ou recuperado. Para que isto aconteça, todos os setores da sociedade e cada cidadão devem atuar juntos na evolução do consumo consciente e na gestão do ciclo de vida do plástico.

Saiba mais sobre o compromisso assumido pela Braskem e as oito questões fundamentais sendo endereçadas para cumpri-lo em http://www.braskem.com/economiacircular

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